Fácil é explicar a origem da vida nos seres humanos, embora, teorias diversas defendam que a vida provém de fontes variadas. Existem teorias como a da evolução das espécies, que advogam que o Homem é obra da evolução ao longo do tempo, da ínfima partícula para uma substância consistente. E teorias como a determinista, defendem que o Homem é resultado do meio que o rodeia, ou seja, a evolução do Homem é explicada pelo meio em que está inserido.
Várias são as explicações que buscam clarificar a génese da vida no Homem; e a morte, quem busca explica-lá? Continua um mistério que assusta até os mais doutos deste planeta; continua um assunto que mexe com a sensibilidade de todos, até dos que têm “pedra” no lugar do coração. A morte é um assunto comentado por todos, mas ninguém a explica com exactidão.
Numa tentativa de explicar a morte nas terras desconhecidas da ilha São Nicolau, Izidine Naíta inspector da polícia, é incumbido a tarefa de desvendar o mistério por detrás do desaparecimento físico de Vasto Excelêncio. Esse é o enredo que Mia Couto traz n‘A Varanda do Frangipani. A história é narrada por um morto apelidado Ermelindo Mucanga, que brinca de ser alma no corpo do inspector Izidine Naíta, ao mesmo tempo que é testemunha das incursões do inspector na busca pelo esclarecimento da misteriosa morte do garboso Excelêncio.
A trama desfia-se entre as lúcidas loucuras dos velhos do asilo São Nicolau, e as intermitências insanas da enfermeira Marta Gimo. E desses devaneios dos personagens que erguem o livro, saberes gravitam nas entrelinhas para moldarem nossas pegadas nesta jornada chamada vida. Abaixo estão alguns pensamentos deixados pelas “figuras dramáticas” do livro.
- A pessoa deve sair do mundo tal igual como nasceu, enrolada em poupança de tamanho;
- Coisa que brilha é chamatriz da maldição;
- Um herói é como o santo. Ninguém lhe ama de verdade. Se lembram dele em urgências pessoais e aflições nacionais;
- O veneno, em doses, nos dá mais vivência;
- Um vivo pisa o chão, um morto é pisado pelo chão;
- Limpavam-se os campos dos maus-olhados;
- A boca fala mas não aponta;
- Se não há proprietário não há roubo;
- O silêncio é que fabrica as janelas por onde o mundo se transparenta;
- Quem é gota sempre pinga, quem é cacimbo se evapora;
- Entre os mil bichos, só o homem é um escutador de silêncios;
- A vida da pessoa se estende por anos, demorada como um desembrulho que nunca mais encontra as destinadas mãos;
- A gente se arrepia por vermos confirmados os buracos por onde nos vamos escoando;
- O que se encontra nesta vida não resulta de procurarmos;
- O mar… carrega mais traição que ondas;
- Quem confunde céu e água acaba por não distinguir vida e morte;
- A velhice… é… a morte estagiando em nosso corpo;
- Quando se é velho toda a hora é de conversa;
- Os anjos não têm pés;
- Ser branco não é assunto que venha da raça;
- O tempo é um fumo, nos vai secando as carnes;
- Branco é como camaleão, nunca desenrola todo o rabo;
- Nascemos com o umbigo na barriga, morremos no oposto;
- Somos todos parentes saídos da mesma matéria;
- Ninguém obedece senão em fingimento;
- Uma velha sempre arrisca a ser olhada como feiticeira;
- As coisas começam mesmo antes de nascerem;
- A morte é como uma nudez: depois de se ver quer-se tocar;
- Cada qual tem tristezas que são maiores que a humanidade;
- Os mortos se agarram à alma e nos arrastam com eles para as profundezas;
- Os mortos servem para apodrecer a pele deste mundo;
- De onde saiu sangue não pode escorrer leite;
- A vida é uma casa com duas portas;
- Todos temos nossos desconhecimentos;
- Quem quer apanhar o gafanhoto tem que se sujar na terra;
- A velhice não… dá nenhuma sabedoria, simplesmente autoriza outras loucuras;
- A vida é a maior bandoleira: sabemos que existimos apenas por sustos e emboscadas;
- As mulheres que vêem seus filhos morrer ficam cegas;
- Os sonhos são como as nuvens: nada nos pertence senão a sua sombra;
- Nós nada descobrimos. As coisas se revelam;
- A cobra pode reinstalar-se na pele que largou?
- Um viajante nunca deve partir no crepúsculo.
A Varanda do Frangipani faz-se de saberes que tornam a vida mais leve que a pena de uma ave gravitando pelos ares; e para melhor interpretação e compreensão das frases acima expostas, é lendo o livro; por isso, é convidado, caro leitor, a mergulhar nas entrelinhas do Frangipani, afogar-se no discurso dos velhos, nas intermitências da Gimo, no ensejo do Ermelindo, nas penumbras do Izidine e garimpar os saberes expostos no aroma floral da frangipaneira. Desejo-lhe uma agradável leitura e releitura (para quem já leu o livro)!
“A vida é o intervalo entre o tempo e a morte” – Flash Enccy.
Por Arnaldo Tembe