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Um Ministro no Parlamento

Também conhecido como lugar das leis, o parlamento é um lugar de elevado estresse. Talvez por conta do aquecimento global e sua fiel companheira “alterações climáticas”, tem havido em muitas assembleias um ambiente caótico, em que a oratória e a hermenêutica do texto jurídico dão lugar às artes marciais mistas, com direito a técnicas de luta de rua como agarrar um deputado pela gravata e dá-lo a ver quantos socos custa estar a favor de um projecto de lei. Embora em muitas sociedades ser deputado seja ainda um sinal de mobilidade social, ainda se está sujeito a acidentes no trabalho, como quando a sessão plenária não termina com o fraternal aperto de mão, mas, em vez disso, é encerrada com uma sessão de luta extraordinária.

Como disse, o parlamento é um lugar de elevado estresse, seja para os deputados ou para quem se dirige à Assembleia para ser ouvido por esses engravatados que representam o povo.  A Assembleia Nacional, assim designada em Angola, é um lugar que garante a continuidade do estado estressado e democrático, onde, de facto, os deputados têm muito trabalho, como ouvir atentos e despertos o discurso do estado da nação durante cerca de três horas e receber mensagens subliminares do presidente da república, sem poder fazer sequer uma pergunta. Entretanto, quem passa por alguns estresses ao ir ao parlamento são os ministros, constitucionalmente conhecidos como “auxiliares do titular do poder executivo” que, com alguma frequência, são ouvidos para que se expliquem alguns actos dos ministérios que coordenam.

Como ocorreu, há dias, a audiência a um senhor mestiço, engravatado como os deputados, barba e cabelo brancos. A imprensa, como sempre, quis adiantar o futuro, mas os deputados fecharam-lhe as portas e ofereceram o púlpito apenas ao ministro que se debruçou, entre outros assuntos, sobre a compra de seiscentos autocarros para o reforço da oferta de transporte público, com um orçamento avultado de trezentos e vinte e cinco milhões de dólares, previsto em decreto exaurido pelo titular do poder executivo.  O ministro entrou tranquilo, mas, uma vez mais, viu que o parlamento é um lugar de elevado estresse e que não só de fatos vivem os deputados, também de factos.  E o facto era o seguinte: os autocarros eram vendidos a um preço mais baixo em relação ao previsto no decreto, o que deixou claro que algo de errado nunca está certo.

Nesse dia, no lugar do diabo, o ministro viu os deputados a assarem sardinha.

Por Jorge Pimentel

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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