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O Poder da Sofia – I

Era como se ela martelasse o chão com os pés. Para ver o seu corpo ou parte dela, tinha de imaginá-la nua ou  semi-nua, no mínimo. Uma autêntica contramão para o actual cenário feminino. Mas, por uns dias, enganei-me ao cogitar que, talvez, fosse uma autodeclarada homem pela forma de ser. Enganei-me. Caí, sem me dar conta, no caixão do minimalismo ou pior, reduzi uma identidade com base em julgamentos supérfluos. Punha as mesmas calças, mas estavam sempre limpas. Sentava-se sempre à frente, não com o intuito de se destacar, pois notei que, a Sofia não apenas amava a poesia. Vivia dela. O seu mundo  era diferente do da maioria. Adentro eu disse que é difícil falar ou conversar com uma mulher, de antemão, inteligente. É provável que saiba se antecipar e desmitificar as artimanhas. Quando tentasse me aproximar, vinha uma neve gelar os meus pés e meus sentidos. Ainda consciente, podia vê-la a passar aquando do sarau de poesia.

Cumprimentei-a, antes do início da discussão do livro de Fanon. Respondeu-me com um aceno e, minutos depois, afastou-se uns metros para fumar um cigarro. A curiosidade impurrou-me para Sofia. Lamentámos muitas ausências para discussão de “Pele Negra, Mascára Branca”, era pouca gente para muitas páginas de discussão. Impulsivamente, questionei-a se era feminista ou qualquer que se aproxime à revolução. Ela avaliou os movimentos das minhas mãos e os dos pés. Eu estava nervoso. No fim, ela disse que era uma mulher e chamava-se Sofia. Apagou o cigarro e espalhou o último fumo na minha cara. Riu-se timidamente e perguntou se eu fumava. Respondi que não e ofereceu um cigarro.

A discussão sobre Fanon começara a enervar ao José que em cada vírgula do seu argumento, batia na mesa de apoio com a palma da mão. Entendia-se ou eu entendia-o profundamente. Parecia que nos estava a obrigar a aceitar as suas ideias. Defendeu que o facto dum país colonizado falar a língua do ex-colono, não o tornava refém da cultura colonial. Ouviu-se um murmúrio e uma antropóloga levantou-se e pediu silêncio  e despediu-se. Talvez a sua antropologia precisasse de distância àqueles que discutem Fanon. A maioria concentrou-se na questão da língua e a sua influência na sociedade pós-colonial. Eu concentrava-me na Sofia e no seu olhar atento ao debate.

Não há concensos num mundo polarizado. Saí enraivecido do debate. A Sofia não disse uma palavra. Somente anotava. Desci as escadas com duas jovens que continuavam o debate citando Aime Césaire e Steve Biko. À saída, a Sofia entregou-me a página das suas notas do debate. Desenhou-me. Na descrição parecia que os meus pés tremiam. Sorri e ela desapareceu. Atrás da folha tinha o outro capítulo do Fanon e o endereço dela.

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Por Jorge Azevedo Zamba

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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