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Eu Benguelense em Luanda

Por Jorge Pimentel

Em toda a viagem, entre o ponto A e o ponto B, existe o caminho. O meu não o percorri sozinho, fi-lo a quatro rodas, com outros passageiros, mas, mesmo quando se viaja acompanhado, uma viagem é uma coisa individual. Mesmo as mais curtas viagens, como ir de um lado da cidade para outro, no táxi colectivo, ainda que se desça na mesma paragem que outros, viajar é pessoal e intransmissível. Entre o ponto A e o ponto B existe um caminho, feito de uma estrada asfaltada, alguns solavancos e muita vegetação, onde se viaja confortavelmente, ainda que o conceito de conforto varie de pescoço para pescoço ou de nádegas para nádegas.
Entre Benguela e Luanda, quando se pára na Canjala, ouvem-se as mulheres chamar os clientes que vão descendo dos autocarros pelo preço da comida. E no autocarro, quando se vai comendo a galinha assada, o paladar é uma coisa que varia, além de uma coisa que se lambe nos dedos. Entre Benguela e Luanda existe o Sumbe e o Rio Kwanza. E sobre o Kwanza uma ponte – nem amarela nem partida – só uma ponte. Entre as duas províncias existe a estrada nacional número cem e o atrito lento das rodas do carro sobre a superfície áspera do asfalto.
Uma viagem de carro também é composta por algumas horas de son(h)o, pois passageiro que dorme dilata o tempo, poupa água e comida, não enfrenta tédio. Toda viagem tem sua economia: o bilhete de ida, o bilhete de vinda. E embora coisa individual, ao viajarmos a economia pode ser sempre participativa, se assim não o fosse, teria ficado na província. Luanda afinal não é boa anfitriã. Recebe-nos com engarrafamentos e, segundo me parece, na capital as estradas foram construídas para serem verdadeiras pistas de corrida. Uma, duas, três, quatro, cinco faixas numa única via, onde abundam azuis-e-brancos e ousadas ultrapassagens.
É uma cidade feita de muros, pedonais, Ponte Amarela, Ponte Partida e uma biblioteca na Robaldina. Onde se ouve com frequência “assim mesmo veio da província, atrapalhar a vida dos outros aqui em Luanda” e no candongueiro muita música dos Lambas. Trata-se de uma cidade onde ao virar de cada esquina existe sempre um prédio guardado por andaimes, com uma licença de obra de um número qualquer e uma vedação. Com poucos animais. Apenas cães, gatos e pássaros são verdadeiros animais citadinos.
Onde me sento no Kinaxixi e não me apetece escrever um poema. Leio numa placa “Rua do Dr. Alfredo Troni”, embora na Mutamba um puto do Sambizanga não possa ler Ngá Muturi porque tem de engraxar sapatos para levar comida para a casa. Subo um, dois, três, … seis, … dez, …, vinte…Vinte e cinco degraus no Palácio de Ferro e faço uma constatação: Luanda é bonita à noite.

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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