Depois de várias tentativas sem sucesso, leituras falhadas, interrompidas, e sem ir além da metade do livro, tomei, mais uma vez, o desafio de ler Os cus de judas de António Lobo Antunes.
É uma escrita que a considero rebelde e exigente, não por ser aparentemente difícil, mas por ser bastante fragmentada e não linear, de se começar distraído ou de enganar o tempo; exige a presença de todo o corpo. Ler Antunes é um ofício. Sua escrita obriga a entrar numa dimensão que não é da pressa, mas da lentidão e de recuos como se se tivesse equivocado no caminho a tomar.
Depois de ultrapassar a barreira das primeiras páginas, já a coisa se ilumina como se caminhasse dentro do sol.
Li Os cus de judas ao cabo de quatro semanas, e, em média, duas horas de leitura e releitura ininterrupta de cada capítulo. E a narrativa, em primeira pessoa, segue a perspectiva de um médico alferes que serve para a guerra. É mais do que uma crónica da guerra colonial portuguesa em Angola, na década de 1970. O protagonista reflecte sobre suas experiências traumáticas, a desumanização dos soldados e as atrocidades cometidas durante o conflito como uma meditação de identidade e memórias.
O que mais me instiga na escrita de Antunes é o modo como trabalha a questão técnica que o livro exige – o de arame farpado, e os fragmentos tornam-se num organismo com nexo e os diálogos são como que pedras arremessadas ao alto e acabam por constituir um montão no quintal.
Ler Antunes é um ofício. Uma autoformação como leitor.
Rumbana-05, 22 de Fevereiro de 2025