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A beleza no táxi

Mais outro dia de provas na universidade. Prova de língua portuguesa. Existe prova mais fácil para quem se dedica à escrita? Penso que não. Quem reclama das provas de língua portuguesa é porque não tem proficiência ou porque não é a sua língua materna, claro está. É sempre fácil uma prova de língua portuguesa para quem é a sua casa materna, como diz a Luísa Fresta Soares.

Mas, materna ou paterna, é a língua oficial de Angola e é, justamente, a língua mais falada no interior de muitas viaturas que fazem o serviço de táxi, seja os azuis-e-brancos Toyota Hiace ou os cómodos táxis da Rosalina Express, empresa proprietária do serviço de transporte interurbano “Voltas”, o serviço que uso para ir à universidade, pois o preço da corrida é de apenas cem kwanzas e é sempre possível ver-se coisas bonitas durante a viagem, no interior da viatura ou nas paragens. Como quando aconteceu isto: o carro parou, para pegar mais passageiros e por adoptar um sistema de pagamento pré-pago, o motorista esperou que todos fizessem o pagamento, antes de seguir viagem. O que me permitiu ver um par de pernas femininas, um sorriso de trinta e dois dentes, uma cintura escorregadia, ao que eu disse ao motorista que em vez dos passageiros que tinham subido, talvez pudéssemos levar aquela moça bonita, ali parada, à espera de táxi.

Naturalmente, os homens atrás de mim concordaram e um até disse “muito bonita mesmo!”, mas houve quem disse que beleza não é qualidade e eu comecei a não gostar do rumo da conversa que incluiu comentários como “bonita, mas falta respeito às cunhadas”, “não sabe cozinhar”, “bonita, mas não respeita a sogra”, “vais levar mesmo assim?” Obviamente, exemplos hipotéticos ou experiências vividas pelas senhoras não tão bem-parecidas, no banco de trás. Fiquei realmente indignado com esses comentários, será que alguém pensa que Páris raptou Helena porque estava realmente interessado no facto de ela saber cozinhar ou respeitar a rainha, sua mãe? E por ela respeitar a Rainha levou à destruição a cidade de Tróia? Não. Era bonita e ponto. Foi qualidade suficiente para desencadear uma guerra.

E Beatriz, que levou Dante a descer aos infernos, foi por saber cozinhar? Acho que não. E Cleópatra? Será que Cleópatra respeitava a sogra? Ou melhor, foi por isso que partiu corações a egípcios e romanos? Ou dói às senhoras feias, no banco de trás, saber que há por aí mulheres bonitas?

Por Jorge Pimentel

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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