As 10 melhores leituras de 2023, por Adelino Albano Luís
Sou leitor. A minha escrita é, apenas, um prolongamento da minha sede por mais estórias. Mia Couto é a minha maior referência literária, é o escritor do meu deslumbramento pela literatura. Sem os seus livros, dificilmente me teria tornado leitor e, definitivamente, não seria escritor. Houve uma época em que só lia os livros do Mia, hoje sou um leitor mais “ecléctico”, experimento uma variedade de escritores separados por géneros literários, nacionalidades, épocas, temáticas e estilos de escrita.
O conto é o género literário com que tenho maior afeição. Deste modo, tenho lido mais livros de contos. Este facto, ditou, para já, a publicação de duas obras de contos da minha autoria (Cronicontos da cabeça do velho e Estórias trazidas pela ventania) e várias participações em antologias de contos. Dentre as minhas (várias) leituras do ano de 2023, decidi fazer o meu top 10 composto apenas por livros de contos escritos por moçambicanos. Portanto, abaixo segue a lista das minhas 10 melhores leituras de 2023.
10 – O Caçador de elefantes invisíveis – Mia Couto
Para início de conversa, seria estranho não constar este senhor. Comprei o livro em 2021 e, desde lá, tem sido uma leitura recorrente. O livro é fiel a maneira simples, delicada e emotiva com que o Mia já nos habituou desde o Vozes anoitecidas. Podemos encontrar com os personagens deste livro na rua, no mercado, nas periferias, na vizinhança, na família… enfim, em nós mesmos; ostentando outros nomes, mas carregando as mesmas preocupações, mágoas e aspirações.
O livro foi publicado pela Fundação Fernando Leite Couto no ano de 2021. É composto por 26 contos, dos quais “Um gentil ladrão”; “O observatório” e “A parede” que, mais do que estórias costuradas por hábeis mãos, são um convite à reflexão e indignação pela nossa realidade social.
09 – Antologia de contos – Lília Momplé
Fui impelido a ler o livro pela publicidade que se fez dele. Para a minha felicidade, descobri que a publicidade equivalia à qualidade dos textos. Um livro bonito. Mas, bonito entre aspas, por conta das tragédias individuais e colectivas retratadas na obra.
Dentre os contos que perfazem esta antologia, destaco o “Ninguém matou Suhura”. Um verdadeiro convite a revolta, a indignação e ao desprezo pelas injustiças sociais: aqueles que já têm tudo querendo roubar aos que não têm nada. O conto, pesem embora ambientado no tempo do regime colonial, não perde a sua actualidade. Na medida em que vivemos numa sociedade de estupradores de várias ordens: os que violam as nossas irmãs, as nossas casas, as nossas instituições públicas, a Lei para acomodar interesses particulares, as nossas contas públicas e assim por diante.
O mais revoltante ainda é a impunidade, tanto no conto quanto na realidade que nos rodeia.
8 – Quando os mochos piam – Geremias Mendoso
Contista da minha geração. É um orgulho pertencer a uma geração com tamanha qualidade.
Livro vencedor do prémio literário FFL-2022. O livro é composto por 36 contos, cuja leitura é fácil e prazerosa. Um contista cuja afirmação no cenário literário é iminente. Particularmente, amo o livro e recomendo a qualquer um.
Entre os contos, o meu favorito é “Aplausos nocturnos”. Já o li para namorada(s), irmãos, amigos e tantos outros. Aliás, sei-o de cor.
07- O livro do Homem líquido – Pedro Pereira Lopes
Publicado pela Gala-gala edições, em 2020.
Em 2023 fiz a minha segunda leitura deste livro. Composto por vários microcontos. É um bom livro.
6 – Espíritos Quânticos – Organização de Virgília Ferrão
É um livro que tenho muito gosto de ler. Exibo-o como uma das maiores proezas da minha curta e intensa carreira literária. O Livro reúne alguns dos mais consagrados contistas do nosso país e, também, a classe da nova geração de contistas. Por lá está o meu conto “O caçador de Elefante” ao lado de figuras ilustres como o Mia, Panguana, Cassamo e várias outras.
Ao total são 31 autores, diferentes em vários aspectos, a começar mesmo pelas idades. O Livro, organizado pela escritora Virgilia Ferrão, é relativamente extenso. Mas a sua leitura não é cansativa, pela variedade de temas e estilos de escrita de cada um dos participantes.
5 – O curandeiro contratado pelo meu edil – Dany Wambire
Neste livro, Wambire não criou apenas personagens, mas o próprio mundo destes personagens e deu o nome de Fim-de-Mundo. Infelizmente, muito do que se passa em Fim-de-Mundo passa-se na nossa realidade Moçambicana. Caso que poderá impelir o leitor a questionar-se se Moçambique não é o Fim-de-Mundo. Gosto da linguagem, dos temas, do estilo “cronicontos” que se vem afirmando cada vez mais.
O livro foi publicado pela Fundza. Contém 28 contos, Cuja leitura é descontraída, simples e agradável. Não obstante, um e outro conto acabam de forma trágica.
Logo no prefácio, o autor dá o seu peito, dizendo que “não menti nada […] Tudo quanto se exibe neste livro é verdadeiro”.
04 – Âncora no ventre do tempo – Fernando Absalão Chaúque
Gosto dos loucos. O porquê eu não sei. Para a minha felicidade encontrei um livro que tem um louco como um dos personagens principais, Massutike.
O livro foi vencedor da 3ª edição do prémio literário Alcance editores. Foi publicado, pela Alcance, em 2020. Livro rico em metáforas, explorando a linha da oralidade que facilita a percepção e interage melhor com o leitor. Deve ser por isso que o autor “alugou um velho” para contar-nos as peripécias de Lufa-Lufa. Fernando explora o impossível, o absurdo, o contrário… Oferendo-nos lições inteligentes que saem de um louco; feiticeiros enfeitiçados; a confissão de um padre; e outras peripécias habilmente tecidas nesta Âncora.
03 – A flauta do oriente- Daniel da Costa
Li, pela primeira vez, um conto do Daniel da Costa na antologia “Espíritos quânticos”. O título do conto é “O capricho das borboletas”. Para mim foi amor à primeira vista. Na primeira oportunidade que tive de conhecê-lo pessoalmente, acabei levando este livro. Após a leitura, posso afirmar que o conto “O capricho das borboletas” não foi publicidade enganosa.
O livro foi editado pela Ndjira, no ano de 2008. E é composto por 25 contos. Os temas são diversos, unidos pela mestria deste exímio contista. Alguns títulos são curiosos, por exemplo: “A distracção de Deus, O bumbum da primeira-ministra, O mecânico de corações, etc.
É, simplesmente, impossível fechar o livro sem ter soltado uma grande gargalhada. Num mundo tão triste, o som desta “Flauta” vem mesmo a calhar.
02 – O regresso do morto – Suleiman Cassamo
É, para mim, o melhor livro de contos escrito em Moçambique. Li o livro muitíssimas vezes e, felizmente, nunca perde a graça. Na verdade, conheço melhor as estórias deste livro que as histórias dos meus próprios livros.
O livro é feito de narrativas curtas, porém intensas. De uma linguagem “bruta”, porém perceptível. De assuntos corriqueiros que ganham uma importância surreal.
É caso que se diga, Suleiman é um verdadeiro artesão das palavras, conseguindo penetrar no mais íntimo do nosso ser, fazendo com que nos sintamos angustiados junto da Laurinda ante a possibilidade de “mbunhar”; sentido a dor da morte de um cão, o Bobi; fazendo-nos sorrir junto da vovó Velina na casa do filho após uma exaustiva e atribulada viagem, acompanhada a par e passo; desesperançando-nos junto com a Madalena e suicidando-nos com a Nglina. Estamos diante de um autor sem igual e, pela qualidade, as páginas deste livro permaneceram intactas para a posteridade. É o meu livro de cabeceira.
01 – Mitos – Aldino Muianga
A experiência mais impactante de 2023 foi o meu contacto com Aldino Muianga, precisamente nesta obra de arte que se chama “Mitos (histórias de espiritualidade) ”. Um livro de contos que me obrigou a uma releitura logo após a última página. Escritor de primeira.
O livro foi publicado pela Alcance, no ano de 2011. É composto por 14 contos intensos. Nunca peguei no sono lendo este livro.
Entre as estórias do livro, destaco “Um diálogo à beira duma sepultura” e o “O homem que fazia tudo”.
Aldino é médico de profissão. Portanto, um senhor das ciências. Porém longe do materialismo pregado pelo método científico, traz-nos um livro rico em superstição, em impossibilidades e surrealismo. Depois de conhecer este autor, comecei a acampar na biblioteca, sedento por mais livros e estórias de Aldino. E, tanto no “Xitala-Mati”, como nos “Contos rústicos” que são os únicos livros que a nossa triste biblioteca provincial detém deste embondeiro da nossa literatura, o encanto foi o mesmo.
Biografia de Adelino Albano Luís
Adelino Albano Luís nasceu em 1998, na Cidade de Chimoio. Licenciado em Filosofia pela UEM, é professor e o conto é seu género literário de eleição. Estreou-se com obra ″Cronicontos da Cabeça do Velho″ (2022), prémio literário Calane da Silva ⁄ Alcance Editores (4ª edição – 2021). Conquistou o primeiro lugar do Concurso de Crónicas da 1ª edição da Feira do Livro da Beira (2021); Conquistou o primeiro lugar do concurso literário Dia Mundial da Língua Portuguesa: estórias pandémicas, e foi finalista do prémio Fundação Fernando Leite Couto (2022), com a obra Estórias trazidas pela Ventania. Participou em várias antologias, dentre as quais o volume I de Espíritos Quânticos – Diário de uma Quawwi.