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O realismo social em “Maylove do povo e automóvel para o governante”, de Aparício Cuinica

O REALISMO SOCIAL EM “MAYLOVE DO POVO E AUTOMÓVEL PARA O GOVERNANTE”, DE APARÍCIO CUINICA[1]

0. Introdução

No presente artigo, debruço-me sobre o realismo social, tendo como escopo “Maylove do povo e automóvel para o governante”, de Aparício Cuinica. A obra em pauta (Escultura Plana) faz parte da exposição (A)utopia de Madeira e Zinco, aberta ao público na Galeria de Arte de Maputo, desde o dia 15 de Novembro a 20 de Dezembro de 2023.

 (A)utopia de Madeira e Zinco é a sua primeira exposição. Trata-se de obras que se conceberam com base em panelas e chaleiras velhas de alumínio, cápsulas de garrafas, latas velhas, fios, entre outro material reciclado que, segundo atesta Cuinica, não é fácil de o achar e, às vezes, faz-se necessário humilhar-se, associar-se aos mendigos para a sua colecta.

  1. Aspectos teórico-metodológicos

A representação, de acordo com Mora (1982), refere-se a diversos tipos de apreensão de objecto intencional, i.e., representações que vão desde a fantasia intelectual ou sensível à reprodução na consciência de percepções anteriores combinadas de vários modos, mostrando, desta forma, uma faceta polissémica.

A obra em pauta (Maylove do povo e automóvel para o governante) denuncia, realisticamente, o social: a problemática dos transportes públicos nos centros (sub)urbanos (de Moçambique) e a dicotomia entre os governantes e os governados (povo).

Ora, para Reis e Lopes (2002), a representação pode ser abordada em termos dialécticos e não dicotómicos, o que significa que entre o representante e o representado existe uma relação de interdependência activa, de tal modo que o primeiro constitui uma entidade mediadora capaz de concretizar uma solução discursiva que, entretanto, continua ausente.

Esta abordagem conduz-nos à noção de pseudoreferencialidade que, de acordo com Silva (1984), se configura não por referencialidade imediata, mas mediata, pois que, embora haja uma relação de interdependência activa entre o representante e o representado, o discurso artístico afirma-se relativamente autónomo.

  1. O realismo social em “Maylove do povo e automóvel para o governante”, de Aparício Cuinica

Em “Maylove do povo e automóvel para o governante”, Cuinica pretende, essencialmente, retractar a problemática dos transportes públicos nos centros urbanos (de Moçambique) e a dicotomia entre os governantes e os governados (povo) que, paradoxalmente, são o patrão dos primeiros.

Contemplando a obra, depreende-se a priori que uns (os governantes) andam de automóveis (termo que, no contexto moçambicano, passa de objecto responsável pela nossa própria locomoção e estende o seu campo semântico, significando, igualmente, luxo, sofisticação…), enquanto outros (o povo), andam de MYLOVE, termo que, desde os anos 2014/15, passou a designar carrinhas abertas usadas para transporte de pessoas e bens, pela ineficácia e/ou ineficiência (por que não inexistência?) de transportes públicos em algumas (muitas) rotas.

Ora, Cuinica, no cômputo de relacionamento entre a literatura e a sua arte (Escultura Plana), retracta igualmente o realismo social moçambicano que prevalece(u) não apenas no período em que este termo MYLOVE (ou MAYLOVE – como o autor grafa) surgiu, mas, também, nos dias que correm.

Se outrora havia muitos MYLOVES, hoje “podem” existir poucos, pelo facto de estarem a ser banidos. Todavia, estão a ser substituídos por carros particulares que carregam pessoas nas paragens em troca de algumas moedas; entretanto, a problemática dos transportes ainda persiste e, em contrapartida, os governantes andam em carros luxuosos, escoltados pela polícia.

À guisa de conclusão

Portanto, em “Maylove do povo e automóvel para o governante”, de Aparício Cuinica, retracta-se o realismo social, a problemática dos transportes públicos nos centros (sub)urbanos (de Moçambique) e a dicotomia entre os governantes e os governados (povo) que, paradoxalmente, são o patrão dos primeiros; vincando, igualmente, a relação entre a literatura e outras artes, neste caso, a Escultura Plana.

BIBLIOGRAFIA:

MORA, J. (1982). Dicionário de Filosofia, 5.ªed., Lisboa: Dom Quixote.

REIS, C. e Lopes, A. (2002). Dicionário de Narratologia, 7ª.ed., Coimbra: Almedina.

SILVA, V. (1984). Teoria da literatura. 6ªed., Coimbra: Livraria Almedina.

 

Por Carlos Nhangumele[2] –     carlosdagraca18@gmail.com

[1] Aparício Cuinica (doravante Cuinica) é licenciado em Literatura Moçambicana, pela Universidade Eduardo Mondlane e é artisticamente conhecido como Matxene. Foi, pela primeira vez, em Escultura, o vencedor do 1º lugar na categoria Criação Artística, do Prémio Municipal da Juventude da Cidade de Maputo (2023).

[2] Docente, ensaísta, revisor linguístico e escritor.

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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