Óscar Fanheiro é um poeta moçambicano, natural da província de Maputo. Em 2018 foi finalista da 3ª edição do Prémio Literário UCCLA – Novos Talentos Novas Obras em Língua Portuguesa, com seu (primeiro) livro inédito de Poemas, intitulado A Gramática Da Solidão; em 2016 foi também finalista da 1ª edição do Premio Literário Fim do Caminho, dedicado a modalidade de contos policiais. Tem textos publicados em vários blogues, antologias e revistas electrónicas, com especial atenção a 1ª Antologia de Contos Criminais Moçambicanos: O Hamburguer Que Matou Jorge.
Ademais, neste ano, foi um dos vencedores da quinta edição do Prémio Literário Fernando Leite Couto de 2023, com o livro de poemas intitulado Incêndios à Margem do Sono. Portanto, o foco principal desta entrevista é explorar a trajectória artística de Fanheiro e a jornada criativa por trás desta obra.
- Fernando Absalão Chaúque (FAC): Como te sentes ao, finalmente, ter a oportunidade de publicar o teu livro (Incêndios à Margem do Sono) depois de tantos anos de intensa labuta literária?
Oscar Fanheiro (OF): Olha, não penso que tenham sido tantos anos. Para mim, é como se tivesse sido ontem o início disso tudo. E mais, as coisas acontecem sempre no seu tempo, por mais que a gente tente forçá-las. Se não era para acontecerem, assim hão-de ser.
Como me sinto? É difícil de explicar. Há uma mistura de sentimentos brotando em mim. Por um lado é essa alegria de poder ter um livro publicado, e por outro lado, é essa sensação de inquietação – um misto de incerteza e ansiedade, de estranhamento e – resultante do possível abandono do lugar de pertença, o exílio do anonimato.
E há também esse quesito, que acho ser o mais preponderante de todos, a “imagem do tipo de artista ou escritor” que desejo alcançar. Se chegarei a alcançar, não sei dizer.
- FAC: Como chegaste à poesia e à literatura no geral? Como é que tudo começou?
OF: Se me lembro bem. Isto tudo deveu-se à música. Eu cresci num cenário em que os poucos livros com que tive contacto eram os manuais escolares. Os meus pais, os meus primos com quem vivi durante a infância não tinham essa cultura de comprar livros, aliás nem dinheiro tinham para isso. O pouco que se ganhava do trampo da minha mãe e do trabalho – no sector público – do meu pai era para colocar comida à mesa.
Recordo agora de um episódio que me marcou muito e passou-se quando eu tinha os meus sete, oito anos. O meu primo andava numa escola primária há poucos quilómetros de casa. E ele fazia nessa altura a sexta classe do antigo sistema nacional de educação. Não sei se foi por azar. Ou por atraso a matricular-se – porque se mudara à capital vindo de Maxixe, cerca de um mês após o início das aulas. Mas acontece que os professores decidiram suspender-lhe, em sua primeira semana de aulas, porque não tinha os manuais escolares. E ele só voltou às aulas duas semanas depois, quando a minha mãe descobriu que o meu primo andava a faltar às aulas. Adivinhe qual foi a solução…
Dizia que tudo deveu-se à música. Isto porque desde muito cedo tive contacto com ela. Posso dizer que tive a sorte de nascer numa casa de amantes de música. Com os meus 5 ou 6 anos, eu já desarrumava as fitas-cassetes do meu pai. E ele era um ouvinte compulsivo de Reggae, Jazz, Marrabenta, Soul entre outros ritmos. A minha mãe, além de partilhar os mesmos gostos musicais que o meu pai, acrescentava ao seu reportório, na altura, a música popular brasileira.
Mas eu cheguei mesmo à música depois de várias tentativas artísticas. Primeiro pelo desenho e depois pela música. Depois de várias tentativas sem sucesso de me tornar um rapper, a literatura pareceu-me algo mais razoável a experimentar. O que de imediato mostrou-se mais difícil do que supunha.
- FAC: Conta um pouco sobre o processo de criação deste livro. Quanto tempo levou a escrevê-lo?
OF: A construção deste livro levou cerca de seis meses. Comecei a escrevê-lo em meados de Novembro de 2019, movido por uma necessidade estranha de exílio e exorcismo, e terminei-o em finais de Abril de 2020. E nessa altura já estava a escrever alguma coisa d’O Evangelho do Absurdo.
Na verdade, a construção deste livro chegou num tempo turbulento, em que às vezes pensei em dar cabo da vida. A minha vida estava uma muito turbulenta. Refugiei-me no álcool, como que para fugir dos problemas, mas estes só pioravam.
Mas por fim, encontrei alento na música. Ao mesmo tempo que lia muitos poetas como Lais Araruna de Aquino e Ray Cruz. E o Hip-hop foi preponderante porque me permitiu achar as fórmulas para desenvolver as ideias que queria escrever, assim como para a definição das vozes que permeiam os poemas do livro.
- FAC: Escreveste este livro já com a ideia de concorrer ou isso veio apenas a calhar?
Rsrsrs, penso que sim! E foi com o intuito de submetê-lo ao prémio Fundação Fernando Leite Couto na edição de 2021, o que acabou não acontecendo. Agora, se veio a calhar, ah, veio sim. Pois se não fossem os amigos, talvez não o teria submetido ao concurso.
- FAC: Gostaria de saber, do próprio autor, como define este livro em termos temáticos?
OF: O “Incêndios à Margem do Sono” é um livro nocturno que usa pequenos espectros de luz para nos mostrar a nossa crua e dura realidade. É, na verdade, um livro intimista que parte, na maior parte dele, de um lugar particular para um centro plural. Trazendo um olhar de denúncia, sem no entanto ter a pretensão de ser um livro de uma poesia, propositadamente, panfletária ou engajada. E gira à volta destes quatro conceitos: a memória, o silêncio, a ausência e a angústia.
- FAC: O que esperas transmitir aos leitores por meio da tua poesia? Existe alguma mensagem central ou uma emoção predominante que buscaste expressar especificamente neste livro?
OF: Espero que a minha poesia possa transmitir ao mundo um pouco de esperança e coragem! E para este livro não procurei expressar nenhuma emoção em concreto. Mas sim levantar problemas com os quais o leitor possa identificar-se como um indivíduo pertencente a uma sociedade. Acredito que seja este o trabalho de um artista: questionar.
E questionar sempre. Como um jornalista sedento por noticiar problemas.
- FAC: Acreditas que a experiência de escrever para as gavetas ao longo destes anos que se passaram teve algum impacto na forma como hoje trabalhas a tua poesia?
OF: Acredito que sim. Na medida em que o tempo percorrido permitiu-me descobrir alguns mistérios sobre o fazer literário, e essencialmente sobre a construção poética. O que de certo modo, contribuiu muito para a forma como vejo e concebo a poesia hoje.
- FAC: Esperavas ser um dos vencedores do prémio ou foi tudo uma surpresa?
OF: Penso que todos que concorrem a um prémio esperam vencer, por mais que as esperanças sejam minúsculas (Rsrsrs). Já estava feliz só pelo facto de ter sido anunciado como um dos finalistas. Lembro-me de na manhã do dia do anúncio dos vencedores receber a chamada do Adelino Albano Luís vaticinando que eu seria o provável vencedor, e à tarde, receber a chamada do Gerson Pagarache meio que me ordenando para “trazer o prémio para casa”. Reforçando o que a Loide Nhaduco já me havia falado aquando do envio do projecto. Mas mesmo assim foi uma surpresa para mim. Só me caiu a ficha quando o Prof. Matusse leu o título do meu projecto.
- FAC: Agora que o teu livro saiu, pretendes continuar a escrever poesia?
OF: Venho pensando neste assunto faz tempo. E cheguei à conclusão de que não tenho nenhuma pretensão de abandonar a escrita e muito menos o compromisso que tenho com a poesia. É verdade que tenho ensaiado um e outro texto na prosa.
Mas nada tão significativo. Embora gostasse de um dia poder ser um cultor da palavra nestes dois géneros literários – a prosa e a poesia. O que pressupõe muita luta até ter o domínio de certas técnicas que julgo necessárias para a escrita da prosa.
Quanto a projectos, existem sim. Alguns no processo de escrita e outros no processo de projecção, digo, no processo de matrização.
Titulo: Incêndios à Margem do Sono
Autor: Óscar Fanheiro
Editora: FFLC
Páginas: 114
Ano: 2023