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Malambas periféricas

Não existe privacidade no Calohombo nem vergonha. E o pudor é uma coisa que existe em muito menor medida. As casas foram construídas tão próximas umas das outras que é possível ouvir o primeiro “caralho” ou “filho da puta” proferido por uma mãe filialmente tirada do sério… ou da cama. A arquitetura, vista pela lente dos jornalistas, é do tipo construções anárquicas. Não é barroca, moderna ou pós-moderna. É, além de periférica, do tipo construções anárquicas – sabem os jornalistas alguma coisa sobre arquitetura?

Em tempo de calor e concomitantemente tempo de chuva, o Calohombo é facilmente identificado pela qualidade do solo. Com um tom escuro, grande capacidade de retenção de água e de incubar mosquitos, o solo é contra sapatos novos. A chuva e o Calohombo não são amigos. Sempre que chove há que se ter estratégia para sair de casa, como envolver os sapatos em sacos de plástico, sair de casa de chinelos com os sapatos na mochila, substituir os habituais ténis por umas botas de borracha ou atravessar descalço as poças de água.  Depois do natural dilúvio, sair de casa exige visão estratégica ou implica ter dinheiro nos bolsos da calça.

Pois já é possível em algumas ruas ser levado às costas, de modo a que atravessemos as poças de água de forma tranquila e sem humidade, o que gera evidentemente transações sem intervenções bancárias. A economia, no Calohombo, é uma coisa verdadeiramente circular.  Adam Smith devia ter nascido cá.

Tudo gera um lucro que é depois partilhado. Se te cortam a luz, pagas ao vizinho para fazer um gato, ou o técnico da ENDE que usou o alicate pede a sua taxa de religação, ou vais ao vizinho comprar uma vela. Ninguém tem tempo nem dinheiro para ir ao hipermercado quando se tem tomates frescos (e caros) na feira [o que no Português do Calohombo seria “capracinha”], mesmo ao lado da Paróquia S. Francisco Xavier, localização estratégica para alimentar o padre ou quem sabe se esteja à espera de S. Francisco de Assis para renunciar ali a sua herança.

A pobreza e a fé andam juntas.

Quem vive no Calohombo está sujeito a ser interpelado pelos filhos do alheio, seja lá quem for esse senhor, mas recomenda-se a calma e a tranquilidade, visto que os indivíduos cujo pai é o alheio são movidos por uma ética guardiã, embora discutível. Por andarem sempre em matilha, há sempre um cão que ladra não lhe mexe, esse é da banda.

  1. MALAMBAS: problemas, gíria angolana.
  2. ENDE: Empresa Nacional de Distribuição de Energia
  3. Este texto foi escrito como um exercício de escrita criativa que consistiu numa troca de títulos entre o autor, que ministrou a oficina, e Luís Arão Florindo, seu primeiro inscrito. Portanto, o autor do conteúdo do texto é Jorge Pimentel, mas o título foi uma sugestão de Luís Arão.

Por Jorge Pimentel

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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