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Representação da Infância em “Mestre Tamoda”, de Uanhenga Xitu

Uanhenga Xitu, nome próprio em língua quimbundo pertencente ao deputado Agostinho André Mendes de Carvalho. Nasceu em Calomboloca, a 29 de Agosto de 1924. Foi preso político em 1959, tendo feito parte do chamado processo dos anos 50 e cumprido os oito anos de prisão no campo de concentração. Eis que em 1973, o mundo assiste ao aparecimento de uma narrativa intitulada “Mestre Tamoda”. Assim, para o nosso estudo usaremos a 4ª edição de 1984.

A infância é um período bastante decisivo para a vida de uma criança ou de um todo e qualquer ser humano. É um período no qual muitas crianças aprendem a falar e /ou a desenvolver capacidades cognitivas bem centralizadas. É concebido como um momento que merece o consumo de um produto propriamente de índole infantil. Como se diz na expressão popular: “é de pequeno que se torce o pepino”. Esta é a fase mais crítica, dado ao facto de, para além do que já dissemos, ser um período que a criança distingue o certo do errado.

Entretanto, neste mundo actual, para o caso em concreto moçambicano, tem-se edificado um assorio de fazedores de música infantil, por exemplo. Propiciando, desta forma, o consumo de músicas ou de canções não educacionais. Os Pais e encarregados de educação que mais se importam em dar dispositivos eletrónicos que, para eles, serve de luxo, para a criança um divertimento, para a sociedade uma distração, vão ajudando na distorção de um futuro indivíduo promissor. A concepção da sociedade é que mais vale, pois, se os mesmos educadores, pais, dessem livros e incutissem a ideia de que só nos livros é que se pode encontrar conhecimento, seria uma grande valia, porque a criança à medida que fosse ler, havia de absorver o conhecimento, despertaria o senso crítico e, desta forma, a sociedade infantil seria mais activa do que passiva.

Antes de continuarmos com a abordagem da temática Infância, julgamos justo trazer conceitos relacionados com as categorias da narrativa, tais como a Representação, Personagem e o espaço, para melhor percepção e enquadramento da nossa análise.

Segundo Ingarden (1979:267) representar é também dar a conhecer algo, mas, em radicais distintivas relações objectivas e, é um dar a conhecer algo diferente do conhecimento representante, em que o representante se diferencia, já Hall (1997) define representação como uma produção de significado de conceitos em nossa mente através da linguagem muito diante da existência de factos ou observações empíricas. Neste sentido, Reis (2001:81) concebe representação como uma entidade cuja eficiente actualidade, paradoxalmente, coincide com o seu colapso. O mesmo autor refere ainda, que só se tem uma representação quando de facto houver representação de uma dada coisa, ou seja, para que haja representação é necessário que exista um representante e o representado. Para tanto, destaca-se Moscovic (2000) que reflecte sobre representação em sociedade como formas sociais de conhecimento do mundo que nos cerca, isto é, as representações socias são um conjunto de explicações, crenças e ideias que nos permitem evocar um acontecimento, indivíduos ou objectos. Estas representações são resultantes da interacção social, pelo que são comuns a um determinado grupo de indivíduos. Desta forma, a última definição, parece-nos que cabe para a nossa reflexão, na medida em que, os meninos e/ou discípulos de Tamoda fazem parte de um grupo social, que se deixa influenciar pelos actos do mestre.

Para já, entendamos o conceito de personagem para complementar o nosso estudo. Personagem conforme Gancho (2006:10) é um ser fictício responsável pelo desenvolvimento do enredo; por outras palavras, é quem realiza a acção. Assim, por mais real que pareça, o personagem é sempre invenção, mesmo quando se constata que determinados personagens são baseados em pessoas reais. O personagem é, portanto, um ser que pertence à história e que só existe como tal, caso participe efectivamente da história. Por conseguinte, trazemos, por último, a categoria espaço, em concreto o espaço social. O espaço, pelas palavras de Gancho (2006:17) é, por definição, o “lugar onde se passa a acção numa narrativa”. É portanto, o lugar físico onde se desenrolam os acontecimentos e factos. Reis e Lopes (2007:136) definem espaço social como aquele que descreve ambientes que mostrem literalmente num contexto periodológico de intenção crítica, vícios e de deformações da sociedade.

Retomando à temática em análise, o da Infância, feita a abordagem de alguns conceitos operatórios das categorias importantes para a compreensão deste trabalho, seguiremos ao psicanalista Freud para compreender a representação da infância em Mestre Tamoda.

O psicanalista Frreud (1927:149) citado pela Léia Priszkulnik (2004) a criança que aqui é referida, descortina, sente tristeza, solidão, raiva, desejos destrutivos, vive conflitos e contradições. É portadora de sexualidade, escapa ao controle da educação e “[…] é capaz da maior parte das manifestações psíquicas do amor, por exemplo, a ternura, a dedicação e o ciúme”. Desta feita, servimo-nos desta definição para contar a história de Tamoda, sobretudo na parte em que a infância é representada socialmente supondo de vista educacional e aprendizado.

Tamoda, um jovem trabalhador que foi à cidade para trabalhar e por lá teve a oportunidade de estudar e, por consequência, acabou por aprender novos vocábulos. Razão por que, chegada a hora de regresso à sua aldeia Senzala, dispondo de tamanha quantidade de vocábulos que muitos tinha nos seus escritos, achou por bem passar a usá-los mesmo não sabendo da carga semântica dos mesmos, fazia questão de proferi-los e assim ganhar admiradores ou fans. No caso, as personagens – os meninos –  que aparecem como discípulos de Tamoda. Estas crianças, aproveitavam-se de cada palavra que o mestre proferisse, como sugerem as partes seguintes: – “alguns rapazes, para não se esquecerem do novo vocabulário acabado de ouvir, monologavam baixinho: cachonda-cachondear…cachonda, cachonda cachopa, donzela, ninfa, cachones; “Mano Tamoda, a gente só queria dizer que português de muchachala está a dar porrada, então. Estão a  dizer que é desparatar  e mesmo  no dicionário não tem”.  Portanto, a infância em Mestre tamoda é representada ficcionalmente sob ponto  de vista de marcas de infância através da fraca capacidade de não se deixar influenciar por pessoas. Não distinguir o certo do errado. A pergunta que isto nos sugere é sobre até que ponto o processo de aprendizagem por fontes não fiáveis é benéfício para a criança. Este é um texto que muito nos faz refectir sobre a importância de dar a educação aos nossos filhos. Podemos afirmar que a infância é o período que define o futuro da criança. Por isso, cujes-nos citar o saudoso Rapper Azagaia quando diz na sua música “O ABC do preconceito”: – “como falar de educação se os jovens não lêem livros?” Uma mensagem muito pouco percebida. A não cautela da educação culminará, inevitavelmente, com a prática de acções ilícitas, tal é o caso de quando o personagem Kuzela rouba as castanhas “Kuzela, dá castanha que escondeu aí nas pernas! – pediu Sabalo, uma das três raparigas que as assavam”. Sendo assim, pensamos que, se por um lado, Tamoda apareceu para (des)intelectualizar as crianças da Senzala, por outro, o português passou a ser usado para denegrir pessoas alheias, ora vejamos:

– “Cala mazé, seu panhanha.

– Panhá é muene, mequetrefe ié pacovi ié! – respondeu Kinoka, toda ela afinada no português de Tamoda.

– Não admito que mim chama mequetrefe, pacóvio. Não admito, mucama de merda, sundéifula.”

Portanto, o texto que trouxemos para a análise, é de leitura vital e obrigatória para as crianças, todos agentes e entidades envolvidas na educação, de modo a que as mesmas possam mudar de postura, isto é, dar mais atenção, comprar livros ao invés de um celular. É um texto que nos faz pensar na construção da identidade intelectual a partir da infância.

 

Referências Bibliográficas:

GANCHO, Cândida Vilares. (2006). Como analisar narrativas. 7ªEd. Maputo: Edições Njira

REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M. (2007). Dicionário de Narratologia. 7ª Ed. Coimbra: Almedina Editora.

PRISZKULNIK, Léia. (2004). A Criança sob óptica da psicanálise: algumas considerações. São Paulo: Universidade de São Paulo.

HALL, Stuart. (1997). Identidade e Representação. London

INGARDEN, Roman. (1979). A Obra Literária. Fundação Cadoeste

MOSCOVIC, Serge. (2008). A Representação Social da Psicanálise. Zanas Editores.

REIS, Carlos. (1999). O Conhecimento Da Literatura. 2ª Ed. Coimbra: Almedina.

Por Gil Cossa

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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