«Com TexTículos estou em crer que se exibem aqui, nos versos que corporizam a sua tessitura textual, um vulto surpreendente da poesia benguelense deste século XXI. Escritos durante os anos 2020, estes poemas surgem-nos intensamente vividos e dotados de uma particular contundência – dirigidos a ninguém e simultaneamente a toda a gente. Quando o poeta escreve no poema “Canto de Encanto” «sou homem / de carne e osso: / então me atrevo, os versos lembram-nos a contingência, a efemeridade, a vulnerabilidade e esperança que todas as nossas mensagens enquanto humanos contêm.» (Mário J. Aires dos Reis)
APRESENTAÇÃO
1.
EIS-ME…
DE AQUI DE ALI DE ALÁ
DE AQUI & DE LÁ P´RA CÁ
DE LÊS A LÊS À LESTE
COM A PÁ LAVRA NA FRENTE!
Tic tac Tempo
Um rio sempre outro
Com mil canoas no seu leito
Com velocidade de mil caudais
Nem uma caneta lhe acompanha
Nem uma folha flutua…
Nem a (ji)mboa mais amarga armada.
Todos acabam por chegar ao fundo:
É a gravidade ou Lei de Arquimedes;
Perto do rio uma placa. Lê-se:
AQUI PERDES.
Tempo é um animal bípede
Com passos de mil metros
Que não se caça correndo.
Medí-lo? Inútil é
a tenacidade do pêndulo,
com três ponteiros se é mal criado.
Tempo é medido com espelho.
NO LIMIAR DA MAIOR IDADE
Certamente nasci
de uma noite serena
certamente o incêndio nasce
sempre de uma chama pequena
certamente não brotou de mim
ainda o derradeiro poema
ainda a caneta no ofício da espera.
(P) ROSAS PARA A ROSA
É calmo o mar da rosa. Imenso e nada salgado, nele me tenho afogado. Tenho um navio e um convés inundado. Às vezes paro. Penso. Observo. O mar da rosa mais parece um rio e qual hipopótamo nele me submerjo.
A rosa sabe que na savana rio é ouro, saciando a sede de todos, mas o leão afugenta os outros. O mar da rosa é mar e às vezes rio serpenteando a savana, encantando noites e lua sem nem uma serenata.
Rio d´elécttrica luz em plena mata. Dobram-se ouvidos, duetos na savana…a beira-rio a lua canta.
(Primeiro ao Drummond. Depois ao Mendonça. Só
ultimamente ao Maimona)
Havia uma preta no meio do caminho
da escola
da igreja
de casa
havia uma preta no meio do caminho
da universidade
da biblioteca
no meio do caminho havia uma preta
preta a preta a
que havia no meio do caminho
ah, tão maravilhinda a preta
no meio do caminho
tantas pedras no meio do meio do caminho
onde estava a preta porcelana preta
sempre uma preta no meio do caminho
uma preta e uma boémia no meio do caminho
ou talvez eu preto no meio do caminho da preta
no meio do caminho
– com quantas pretas
se faz o caminho de um poeta?
XADREZ VERMELHO & COR DE ROSA
Pedir ao bispo benção divina,
enclausurar numa torre
hesitante, coração, palpitante!
Ir atrás da donzela
no dorso do cavalo,
se for preciso…
quedar o peão no quadrado.
Roubar a concubina do rei
vencer no xadrez – é o que
importa e a única lei –
mirar na rainha,
ser forte no embate do mate,
dançar com a rainha
& só aí gritar XEQUE-MATE!
CANTO DE ENCANTO
Falo ou não falo
– faço.
Amo ou não amo
– escrevo.
Sei ou não sei
– leio.
Vou ou não vou
– espero.
Sou homem
de carne e osso:
então me atrevo.
Por Jorge Pimentel