Para escrever um livro de poesia é preciso total envolvimento e implicação. Morgado Mbalate, autor deste projeto poético, e meu companheiro no reino de Safo e Erina, foi o que fez. Um poeta cresce a sonhar que tem um sentido na vida, uma direção no cosmos, um mapa nos confins da Terra, uma bússola nos mares bêbados de azul, no capim rarefeito dos dias. E é esse o sentido da poesia. E é nesse cosmos tão específico que tem que a construir e habitar. E insiste, e persiste, mesmo contra a ideia da “eventual não oportunidade”, mas sempre a favor da sua linguagem ora pessoal, ora universal… tantas vezes abstrata e perfumada pelo onírico. Morgado caminha sempre num só sentido, para que o seu momento criador coincida com a melhor expressão possível para a oferecer a um público que deseje e acolha a sua palavra.
Morgado Mbalate tem sempre coisas para dizer e di-las claramente através de um discurso harmonioso, belo, cativante, oportuno, atual, com raízes no solo moçambicano, mas cantado na bela língua de Camões e Mia Couto. O poeta é perseguido pelo amor, pelas várias identidades por dentro de diversas vidas vividas, mas sempre inteiras e plenas. A poesia de Mbalate é acima de tudo de dedicação e construção efetiva. Gosta de palavras que tenham ideias que nunca acabem dentro delas, mas que expludam em direção ao mar, ao céu e às grutas do infinito. Gosta daquelas que transbordam de emoção, das que não se contêm, das que se expressam e até mesmo das que estimulam múltiplas vontades e desejos. Gosta das que se concretizam em gestos esperados e de outros inesperados. Até das que são ásperas no início mas que depois se tornam macias e moldáveis à alma, que se colam ao corpo fazendo depois parte dele.
O poeta sabe as leis mais sábias da matéria e da natureza, traz a seiva da árvore africana a todos os outros corpos do mundo, eleva a carícia da chuva e tempera o salgado da pele. Gosta de se ir definindo, gosta de descascar enigmas e segredos, à espera de serem desvendados estes sentimentos. Enche a bolsa dos sonhos e guarda-a num lugar próprio e seguro, para, depois a lançar à terra para uma sementeira profícua ou pesca abundante.
A escrita de Morgado Mbalate é para mim uma casa humilde escondida numa imensa floresta. É um lugar seguro, tranquilo e muito aconchegante, onde a palavra é servida como um manjar nas manhãs do mundo. De facto, ao ler este livro, cada um é convidado a sentar-se à mesa para saborear as sílabas mais perfeitas, o ritmo mais ondulante, a rima em tons de pátria, o assunto como quimera e esperança. Saciados os sentidos, o leitor é convidado a dormir a sesta debaixo de um frondoso frangipani. Primeiro, pestaneja-se com urgência, depois ficamos embalados no ronronar das nossas mãos em forma de cauda. Por fim, deitamo-nos numa esteira feita de nuvem, com sonhos de eternidade dentro da almofada. E nessas horas tardias, o leitor transforma o medo e a incerteza em paz e confiança. De manhã, acorda muito devagarinho, falando baixinho e com o extremo cuidado para não assustar as musas que pululam na terra moçambicana.
António Martins