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Escrever incertamente para vagabundos

Agrada-me penetrar os neurónios de Steinbeck, vislumbrar o seu pessimismo encorajador, as suas argumentações sobre a necessidade de os trabalhadores estarem unidos para protestar e derrubar obstáculos. Os livros de Steinbeck fascinam-me sempre, ajudam-me avivar o raciocínio sobre a importância da literatura para a sociedade. O seu género engajado convida o leitor à imortal reflexão sobre a luta de classes, subjugação, vulnerabilidade e exploração do homem pelo homem.

Em “Vinhas da Ira” e “A Leste do Paraíso”, dois grandiosos romances para a eternidade, encontramos os aspectos mais penetrantes de luta de classes, como se lá estivessem para lembrar-nos que a literatura tem um papel social inquestionável. Mente para si próprio quem pensa que ela só serve para se passar/atravessar um momento ou para entreter alguns curiosos ou burgueses metidos a leitores, em alguns contextos.

Jim. Conheci-o em “Batalha Incerta” de John Steinbeck. Levou-me aos manuais teóricos de Marx para uma breve reflexão sobre a função do proletariado no contexto de uma greve laboral (sendo que esta é uma pequena convulsão dentro de uma guerra maior). Isto não é novo em Steinbeck.

A repetição, normalmente, cria fadiga. Em Steinbeck, entretanto, parece que a mesma tem uma função específica: lembrar o leitor que um determinado tema pode ser explorado de diversas formas e ângulos. Aliás, Jorge Amado, criador de “Capitães de Areia”, dizia que, na verdade, um escritor passa a vida inteira a escrever um livro apenas, em várias partes separadas. Com isto percebo que o escritor é incapaz de abandonar os temas que fazem parte do seu DNA. A ideia visceral não se apaga, atormenta o escritor ou este é atormentado por ela.

“Batalha Incerta” parece um complemento de “Vinhas da Ira”, havendo, entretanto, mudança de algumas peças, personagens, fio-condutor e cenários. Observamos a mesma questão de sempre: vontade de foder o sistema com pedras e bastões, incendiar as plantações do explorador, que apenas paga migalhas aos apanhadores de maçãs, nos vales da Califórnia. Os trabalhadores querem um aumento salarial, não admitem engolir a merda do Uncle Sam, colocam-se no dever de lutar pelos seus direitos, mesmo quando o xerife aproxima-se com as suas espingardas para pô-los a correr.

Vale a pena repetir. É uma forma de dar ênfase a uma ideia, tendo em conta os princípios viscerais que a motivaram. Steinbeck, para alguns, tinha ideias comunistas ou algo parecido. Mas eu prefiro afirmar que o homem tinha um pensamento radical. Radical, no sentido positivo. Falava por aqueles que não tinham espaço público para expressar os seus mais íntimos pensamentos e sentimentos. Representava, através da escrita, os analfabetos, os vagabundos, os marginais inúteis e os sem-tecto.

Ao fim de tudo, Jim não sobrevive. Morre com as suas ideias sem ter esfaqueado o sistema. Mas a morte de um vagabundo descontente abre espaço para o nascimento de cem vagabundos sem nada a perder.

Por Albert Dalela

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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