A Cidade de Maputo sempre foi conhecida pelos seus espaços verdes e suas árvores frondosas à berma das estradas que emprestam frescura e sombra tanto para os residentes quanto para os transeuntes, o que lhe valeu a alcunha de Cidade das Acácias.
O que acontece é que essas acácias não operam isoladamente; a seu favor, existem os Jardins espalhados pelas artérias da cidade cuja utilidade, senão melhor, é semelhante que a das resilientes arvores da capital.
Outrossim, as metrópoles são chamadas a garantir a existência dos espaços verdes como forma de demostração de responsabilidade e comparticipação na manutenção da sustentabilidade ambiental, que de acordo com ISSO 14001, vai consistir na actividade que as pessoas colectivas desempenham no quadro ambiental, por forma a garantir os recursos naturais e o equilíbrio ambiental possam ser aproveitados pelas próximas gerações.
Relativamente aos Jardins, que são o objecto principal da presente abordagem, dentre os demais podem-se apontar: O Jardim Dona Berta, o Jardim Zoológico, o Jardim Tunduro, o Jardim dos Namorados, o Jardim dos Professores, o Jardim 28 de Maio – vulgo Jardim dos MadGermanes, a Praça 25 de Junho, a Praça da Paz, o Circuito de Manutenção Física António Repinga, Pulmão de Malhangalene, etc.
O facto é que esses espaços verdes urbanos foram concebidos, na sua maioria, por iniciativa pública, com o fim primordial de servirem como verdadeiros pulmões da Cidade, ajudando a combater a poluição, favorecendo a biodiversidade no núcleo da nossa grande Cidade, e facilitando o controlo da temperatura e da humidade. As áreas verdes no seio da metrópole são importantes como elementos de coesão social na medida em que contribuem para a melhoria da qualidade de vida, promovendo estilos de vida saudáveis, bem-estar social das populações e qualidade ambiental.
O problema é que com a actual roupagem que os nossos jardins assumiram questiona-se a eficácia da sua finalidade inicial, facto que preocupa a maioria dos munícipes desta urbe, pois, hodiernamente, para além do crescimento demográfico, nota-se um Boom imobiliário inclinado para as diversas áreas de actuação e com grande interesse de se fixar no centro da Cidade, onde já não há espaço se não os verdes. Nesta ordem de crescimento, o que antes era para serem pequenas lanchonetes no canto mais remoto do espaço do jardim, viraram grandes centros comercias com pequenos Jardins à volta. Há uma colonização dos espaços verdes pelo crescimento desenfreado do capitalismo.
O actual Vereador para Área de Planeamento Urbano e Ambiente para o Município de Maputo Luis Nhaca reconheceu, em um canal de comunicação social, que há uma crescente tendência de ocupação de espaços verdes e coloca que há fragilidades organizativas por parte do município para fazer face a este desafio, pois não há falta de estruturas para impedir estas práticas que o vereador chamou de “Nocivas”
Esta invasão faz surgir uma equação de difícil solução que é a manutenção do equilíbrio ambiental pré-existente diante do desmatamento em prol da construção da selva de pedra. A Livaningo, uma organização não-governamental de defesa do meio ambiente, defende que esses locais devem ser preservados e mantidos longe das pressões de grupos financeiros ou comerciais
De certeza, o Estado cede os Jardins mediante um sinalagma qualquer. Como dizem os economistas, ”Não há almoços grátis” espera-se que o resultado desta cedência esteja directamente ligado com o principal princípio da Administração Pública, que é a satisfação das necessidades colectivas, mas Considerando que os Jardins também foram concebido para o mesmo efeito, será isso justificação suficientemente cabível? Pelo sim, pelo não, concorde-se que estamos diante do que decidi chamar de “Mercadorização dos Jardins da Cidade de Maputo” onde as terminologias “Mercadorização dos Jardins” devem ser compreendidas em dois sentidos. Primeiro, no sentido de que os Jardins foram convertidos em mercadorias do Estado, sendo transaccionados como objecto de negócio jurídico com os particulares; num segundo momento deve se depreender dessas terminologias que com essa “aquisição” pelos particulares os jardins são transformados em verdadeiros mercados, onde implantam estabelecimentos com chaminés apontadas para a camada de ozono.
Nesta ordem, importa questionar: Pode o Particular por iniciativa própria instalar seu empreendimento em um jardim ou fá-lo cumprido certos trâmites exigidos pelo Estado? Pode o Estado vender ou ceder de qualquer outra forma os jardins para fins privados em detrimento da finalidade inicial para qual os Jardins foram criados? Pode um particular comprar um espaço, antes tido como comum e condicionar o seu usufruto? O que é prioritário, o negócio imobiliário e o crescimento das oportunidades de comércio na metrópole ou a conservação dos espaços verdes pelas razões já conhecidas?
Ora, as questões são diversas e podem ser colocadas de várias formas diferentes. Em direito não é possível respondê-las todas. Contudo, permitam-me começar com um princípio básico que é do conhecimento da maioria dos Moçambicanos, pelo menos empiricamente, que estabelece que em Moçambique a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada portanto, o uso e o aproveitamento da terra é direito de todo povo moçambicano.
Por norma, os Jardins são Coisas Públicas ou Bens do Domínio Público, nos termos do nº 3 do art. 93 da Constituição da Republica de Moçambique (CRM), os Bens do Domínio Publico pertencem as pessoas colectivas de direito público do tipo população e território, isto é o Estado e as Autarquias. Reforça ainda o art. 202º do Código Civil (CC) que as Coisas Públicas são as que se encontram subtraídas do comércio por não poderem ser objectos de direito privado e se integram no domínio público em razão da sua primacial utilidade pública.
Segundo Albano Macie (2008), as Coisas Públicas não pertencem a ninguém, não são objecto de direito de propriedade de ninguém, o Estado apenas conserva para si o direito de guarda e o dever de as conservar. Daqui pode-se depreender que, embora um certo bem possa ser considerado como da propriedade do estado, não significa que este possa de forma indiscriminada e liberal proceder com a sua venda, pois a sua crucial tarefa consiste na guarda e na conservação.
O Professor Marcelo Caetano (2010) avança que o direito de propriedade pública é exercido para a produção do máximo de utilidade pública que as coisas formam e são incomerciáveis como tais pelos processos de direito privado.
Destas duas colocações pode se desdobrar primeiro que nem o Estado deve se arrogar senhor proprietário das coisas públicas e segundo que a sua comercialização obedece a um quadro de direito especial que é o do Direito Público.
Ainda na ordem dos preceitos constitucionais do artigo supracitado, são deduzidas ainda, as características fundamentais que os jardins, enquanto Coisas Públicas, devem conservar que são: a imprescritibilidade, a impenhorabilidade. Desta última porque as coisas públicas encontram-se fora do comércio nos termos do direito comum ou privado e da primeira porque a Administração não pode colocar as coisas públicas como objecto de negócios jurídicos privados. Assim os jardins não podem ser alienados, transferidos, cedidos, doados, transmitidos por qualquer título a terceiros.
Sucede, porém, que as regras acima apresentadas são gerais, pois, especialmente, podem as coisas públicas ser utilizadas pelos particulares ordinariamente ou extraordinariamente dependendo se haverá tido necessidade de autorização e pagamento de taxas para o efeito ou não e no meio deste instituto, Albano Macie faz referência a figura do uso privativo das coisas como aquele uso que se atribui ao Particular uma coisa pública para que este por sua vez a possa rentabilizar para o pecúlio próprio, para este uso, os particulares precisam de um título jurídico especial que é a licença ou um Contracto Administrativo para o uso de utilização económica exclusiva para fins particulares.
Partindo destas premissas é legal que o Estado, obedecendo os caminhos da ordem normativa, autorize o usufruto especial, pelos particulares, de bens do domínio público. Ademais não quer isso significar que, primeiro: o Estado veja nisso uma oportunidade sucessiva e permanente de arrecadação de receita e segundo: que o particular explore esse jardim de forma tão desconfigurante como se de um garimpo se tratasse.
Aos factos, o desenvolvimento é bem-vindo e os consumidores nunca irão faltar mas o assalto aos jardins deve ser regrado, pois existe uma equação a ser resolvida que tem a ver com a cedência dos espaços verdes para actividades de cariz particular sem comprometer a necessidade de salvaguardar a sustentabilidade ambiental e o aproveitamento público dos espaços. Que antes eram de livre acesso e hoje em dia são para os que conseguem fazer face as exigências financeiras que os caracterizam. Hodiernamente, há uma selecção natural, e porque não dizer económica, sobre quem pode e quem não pode frequentar os nossos aparentes jardins.
O Jardim 28 de Maio foi tomado pelo império dos comerciantes de pequeno e grande porte, nem os próprios MadGermanes têm condição de resistir a invasão, aliás a guerra destes é conhecida por todos.
O Jardim dos Namorados, antes era pela localização que se considerava como não sendo para namorados de qualquer calibre, hoje está mais claro pela falta de romantismo na sua estrutura arquitectónica se não for para tomar um sumo no complexo de pastelarias enfileiradas com vista ao um tanto que paradisíaca.
O Jardim Tunduro foi recentemente reabilitado e já veio com direito a um Bar, no seu novo pacote, que ainda “dzindza” de forma tímida mas está completamente operacional. Permitam-me arriscar que este Jardim aguarda por novas propostas e recentemente teremos novidades de novos empreendimentos no seu quintal, haja espaço para as fotos dos nubentes.
O Jardim dos Professores, tal como dos Namorados, não falta muito para estipularem uma tarifa de acesso tal como acontece no (Zoo), Fantasmagórico e saudoso Zoológico.
O Jardim dos Professores às vezes parece um restaurante e noutras vezes parece uma discoteca e os preços praticados não tem nada a ver com o poder de compra dos professores. Este é daqueles locais em que o Jardim é para os professores contemplarem a gramado e pensarem a ciência e a parte dos “comes e bebes” foi feita para um outro tipo de senhorios. Desde já proponho um outro nome para esse Jardim, que faça jus ao que ele realmente representa: “Jardim dos Senhorios”. Os professores podem ficar nas “Barracas do Museu”. CUMPRA-SE.
O Jardim Largo da Fé, vulgo Pulmão de Malhangalene, que sita na famosa Rua da Resistência não resistiu a incursão do Conselho Municipal para uma pneumectomia, era pulmão de um fumador, o facto curioso deste Jardim é que a sua desconfiguração foi por via de uma invasão natural dos residentes e vientes daquele bairro, principalmente no âmbito do consumo de bebidas alcoólicas, é um ponto de concentração de consumidores profissionais de cerveja. O pulmão foi extirpado para evitar a proliferação do lixo para os outros órgãos. Veremos o que é que vem a seguir, que não se conclua que vale mais um prédio como forma de punição dos munícipes pela degradação do Jardim.
A Praça da Paz e Centro de Manutenção Física António Repinga ainda são zonas livres, porém nota-se no Repinga uma ameaça de invasão pela característica económica que a sua zona comporta, daqui a pouco podemos ter que discutir se precisamos de tanto espaço naquele local, afinal, os edifícios da baixa da cidade de Maputo precisam mais do espaço aéreo do que térreo, porque não um ou dois prédios ali no canto? A manutenção física pode ser feita nas escadas. É como diz um Rapper português chamado Bónus: “Os prédios vão nos empurrando…”
A Praça da Paz sobrevive assombrada pelos centros comercias que a cercam, a Shoprite e o Premier Group Mica LDA. Duas entidades com aderência e crescimento indubitáveis e cuja necessidade de crescer, fisicamente, é óbvia. Aliás porque não o surgimento de um concorrente da mesma natureza, um galpão de venda de conveniências e mais um pouco ou um daqueles armazéns de chineses que vendem tudo que é mobília, com direito a uma privilegiada entrada directamente da Av. Acordos de Lusaka. Aproposito quando é que teremos um MacDonalds nesse paraíso fiscal. Prontos, acho que é do nome que, por enquanto, a praça está em PAZ.
Há muito que ainda se pode dizer sobre os nossos Jardins dentre as coisas boas e as não muito boas, a matéria de facto e a matéria de direito, os aspectos qualitativos e os quantitativos, as referências históricas e as referências actuais e ainda do ponto de vista do estado e do ponto de vista dos Munícipes.
Portanto, o que se espera do Estado não é a medida radical de cortar as relações com os particulares no âmbito de concessão dos bens de domínio público para o uso privativo, o que se espera é que essas autorizações e ou licenças que são atribuídas sejam condicionadas a dar continuidade àquilo que é o papel do Estado sobre esses espaços, primeiro que o povo continue a ter direito ao seu usufruto, que o projecto apresentado pelo particular acreditado tenha planos de preservação do ambiental sustentável e que, acima de tudo, a principal atracção seja o Jardim em relação ao estabelecimentos comerciais e não o contrário.
Referências Bibliográficas
CAETANO, Marcelo, Manual de Direito administrativo, Vol.I, Almedina, Coimbra, 2010;
MACIE, Albano, Lições de Direito Administrativo Moçambicano, Vol.II, Escolar Editora, Maputo, 2008;
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE DE 2004, Boletim da República n.º 51, I Série, de 22 de Dezembro de 2004;
ISO 14001, Enviromental Management System, Norma de Directrizes Básicas para o Desenvolvimento de Gestão Ambiental, 1996;
CÓDIGO CIVIL, Decreto-Lei nº47344, de 25 de Novembro de 1966, e Portaria nº22869, de 4 de Setembro de 1967, 6ª Edição, Plural Editores, Maputo, 1966.
https://www.dw.com: Espaços verdes de Maputo em risco-DW, 23/05/2024.
Por Aldemar do Rosário