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O Lugar do Português em Rosita Até Morrer, de Luís Bernardo Honwana


O Lugar do Português em Rosita Até Morrer, de Luís Bernardo Honwana

Os estudiosos Wellek e Warren (1949), referem que a literatura não é realmente um reflexo do processo social, mas sim a essência, o resumo e o sumário de toda a história. Eis que, Luís Bernardo Honwana, mostra-nos a representação histórica de uma época através do conto Rosita, até morrer, que faz parte de uma obra do cânone literário moçambicano, Nós Matamos o Cão Tinhoso, publicada, pela primeira vez, em 1961. E, mais tarde, em 1971, o conto viria a ser acrescido. Assim, importa referir que esta obra é considerada uma das fundacionais da literatura moçambicana e, como consequência da sua magnífica importância, passou a constar dos cem melhores livros do século XX a nível de África.

O conto, em forma de carta, conta-nos uma história que se passa em Chiguidela, a 17 de Abril de 1961. Rosa, foi engravidada pelo Manuel, seu marido, e abandonou-a – “Eu não esquence tu drabou, dormiu comigo, eu era menina – Você encontrou, deixou eu com prenha, fugiste com outra mulher. Por causa do sofrimento, Rosa, pede ao Chico Mandlate que escreva uma carta para o seu marido, Manuel – Sou eu Rosa de teu coração que manda esta carta para teu coração.” Este que abandonou a esposa por conta de uma mulher assimilada: – “Mulher çimilado quema os cabelo, veste çapato com vestida bonita, com português que fala tu não guenta drabar ela. Ela que draba vocé – que, por sua vez, a mesma mulher assimilada viria a abandoná-lo. Manuel, saiu de casa porque não gostava de trabalhar na machamba: depois vocé vai tembora quando não gosta ficar aqui fazer machamba, ensinar as pessoa no escole de noite que voces tinha no casa de Mussá.” Etretanto, Manuel, provavelmente tenha pensado que ao abandonar a esposa, Rosa sucumbiria com as despesas. Antes pelo contrário, esta reinventou-se e tomou a postura que Assa Matusse cantaria em Sombeco: Ser pobre é agilidade. É exercer a criatividade, e assim foi, conseguiu sustentar os filhos mesmo com a mãe doente, como sugerem as passagens seguintes: “Minha mãe manda os cumprimentos, está com doença das costa que dói de noite com os sofrimento de idade avançado; eu é pobre mas tem mãos bom para trabalhar também para dar vocé vai vender os saca, comer sozinho.” Mas, Rosa, movida pelos sentimentos, mesmo que lhe tenha sido difícil a situação de ser abandonada, ela acrescenta: “minha boca não gosta falar coisa que meu coração está dizer, mas minha cabeça fica maluco quando minha boca não diz: eu gosto muito você. As vez eu pensa tu foi no curandero ranjar remeido para gostar vocé. Tu faz eu sofrer, eu chora, eu zanga, eu esquence, eu gosta vocé outra vez muito! Tu que  não presta: tu gosta mulher çimilado que draba vocé. Enquanto isso, as pessoas diziam: -Ô! Manuel tem esta nossa pele mas agora é branco, comprou ser branco nos papel, esquenceu os vovô dele que morreu, esquenceu filha dele que nasceu,  esquenceu a terra, esquenceu tudo.”

Em Moçambique, antes da imersão portuguesa, predominava por completo as línguas Bantu. Howana, traz-nos uma história que, para além de representar as vivências moçambicanas, revela, antes de mais, características linguísticas peculiares ao período colonial. No qual era incomum encontrar alguém que escrevesse e ou falasse a língua portuguesa correctamente. Facto que nos é sugerido através do pedido de Rosa, para que, Chico Mandlate, redigisse-lha a carta.

A escrita do personagem Chico Mandlate, é reveladora de segmentos discursivos que constituem e apresentam expressões que provocam arritmia na estrutura frásica. Por isso, como dissemos anteriormente, as línguas bantu é que predominavam. Pelo que, as mesmas tiveram forte influência na escrita em português, ora vejamos: “Mulher çimilado quema os cabelo, veste çapato com vestida bonita, com português que fala tu não guenta drabar ela.”

De forma consciente, o autor, Honwana, por um lado, eterniza o que predominava naquele tempo, a literatura oral, através da escrita errónea. Por outro, faz-nos mergulhar, inconscientemente, a partir deste texto, Rosita, Até morrer, no poema de Craveirinha, intitulado Karingana Ua Karingana: Este jeito/ de contar as nossas coisas/ à maneira mais simples das profecias/Karingana ua Karingana/ é que faz o poeta sentir-se gente. Desta forma, o autor, há-de ser um poeta dissimulado a contar-nos as nossas coisas à maneira simples. Este texto, dado as marcas da oralidade que o íntegra é um exemplo disso.

A carta, vem a ser uma confirmação do texto de Gregório Firmino (2006), quando diz que os moçambicanos, para além de terem tornado o português oficial, apropriaram-se do mesmo, criando, desta forma, novas formas gramaticais.

Este texto em análise, devia ser de leitura obrigatória no ensino primário e secundário, pois proporcionaria aos alunos a capacidade de distinguir o português corriqueiro do culto, e suas implicações.

HONWANA, Luís (2021). Nós Matámos O Cão Tinhoso. 2ªED. Maputo: Alcance editores

Por Gil Cossa

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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