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Muralha de loops

 

Chega um momento em que todos os dias parecem a repetição de apenas um. Tudo ocorre em loops. O homem revê os seus passos, procura dicas e instruções da vida, mas continua sem entender a sua direcção; e, infelizmente, conclui que a sua existência resume-se numa só palavra: monotonia. Viver para fazer as mesmas coisas.  Cumprir as mesmas tarefas. Movimentar o corpo. Correr e nunca alcançar a meta. Arremessar os sonhos e eles conspirarem contra si. Boomerang. Cair no Rat Race. Reinventar-se, contudo, permanecer o mesmo. Trancado numa muralha de loops. A-B. B-A.

Pensando bem, o mundo foi concebido para ser regido por loops. Nascer. Crescer. Reproduzir. Morrer. E tudo repete-se. Inúmeras vezes. Eis o imutável labirinto de loops. A-B. B-A. E nada mais.

“Deus fez o Universo em seis dias: e nota-se […] ao sétimo dia descansou e continua a descansar até hoje.”, disse Saramago. Deus está também trancado num loop,  a repetir a mesma actividade: descansar, descansar, descansar. Isaías 40:28 remata: “Não sabes, não ouviste que o eterno Deus […] nem se cansa nem se fatiga?”

Ora, os dias e noites, que se repetem na terra, são intermináveis extensões das 24h  do dia em que Ele sentenciou: “comerás do teu próprio suor”. Mais de 2000 anos e ainda os dias são a repetição desse dia. Milhões a clamarem por Ele. Mas nunca ninguém Lhe viu a sombra nem Lhe ouviu a voz. As únicas vozes que se ouvem por aqui estão cercadas por uma muralha. E, hoje, 18.05.2023, vociferam:

“O alargamento da NATO aos países nórdicos colocou o mundo à beira de um conflito global”, diz a voz de Alexander Lukashenko e secunda que, a Ucrânia está a ser usada como campo de testes tanto para a destruição de velhas armas ocidentais como para novos armamentos. Um loop quase binário: guerra-paz. Primeira Guerra Mundial. E repetiu-se: Segunda Guerra Mundial. Todos fingem que querem a paz. Mas sempre perdura o caos. Veja só: confrontos entre pastores de gado e agricultores fazem 11 mortos em Chade. What goes around comes around.

E chega um momento em que todos os dias são a repetição de apenas um. Interromper o sono. Ser ensardinhado nos chapas. Trabalhar como um camelo. Receber migalhas. Alimentar os impostos em detrimento do estômago. Engolir as falácias do Governo – um grupo que nunca come do próprio suor. Morrer desgraçado. Deixar dívidas para a família. E tudo se repete, inúmeras gerações.

O mundo está trancado numa muralha de loops. Não vês? E eu escrevo em busca da porta de saída. Em busca de mim próprio. E tu? Guimarães Rosa disse: “Penso que chega um momento na vida da gente, em que o único dever é lutar ferozmente por introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de “eternidade”.

Será que a eternidade cabe num loop?

Fernando Absalão Chaúque

In “Diário”

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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