Quinta-feira, Novembro 21

Aos meus amigos, G.J.G.I

Para mim, uma feira de livro é um espaço para as novas propostas editoriais se deixarem cirandar pelos olhos do público, se deixarem acariciar às pressas em todas as mãos rugosas e macias. Os expositores têm este defeito quase natural de expor inúmeros exemplares do mesmo livro pelo público; em condições desastrosas como nesta última feira a que tomei parte onde havia um stand de alface e tubérculos

(a mandioca, apesar da fome, foi saborosa)

e o mestre da cerimónia disse: bem-vindo a feira agrícola, antes de receber a correcção dos ouvidos para dizer feira de livro

sim, era qualquer coisa

de feira mista, pareceu-me.

Assim que se calava o mestre da cerimónia, o gestor do som explodia o silêncio com uma música de estremecer o chão, e agitava a cabeça como um espantalho mágico, e os dedos como um trapezista faziam gincanas nas bobinas da mesa do som

(uma feira de livro assim com alface e ruído da música jamais vista)

precisamos repensar as nossas feiras de livro

e o expositor,

os livros são sensíveis. uma gota só destrói toda a obra

O silêncio regressou com a chegada do chefe por baixo do guarda-chuva

e passou cirandar os olhos pela pilha de livros esborrifado de gotículas de chuva miúda que caía sob os gazebos, e foi à tribuna encorajar os pais, mães e jovens a comprar livros para ler

(quanta incongruência, excelência)

e se tivesse comprado alguns livros e com eles perfilar na sessão fotográfica que os lacaios da midia tem feito, não seria isto a melhor maneira de sensibilizar aos pais e ao público a comprar livros para incentivar o gosto pela leitura aos filhos?

Já com tantas edições, as nossas feiras de livros continuam desastrosas, onde os escritores são levados ao acaso sem nenhum projecto à vista para desenvolver durante a feira

(como não melhoram as nossas feiras de livros)

Assisti nesta feira, ainda sinto este arrepio na pele, uma salada de sujidade em páginas de livros. A gente ia vasculhar a mandioca e alface em primeiro, e depois enfiávamos as mãos em livros

(a quanto foram as vendas, a propósito?)

e por que não podemos expor o mesmo exemplar como símbolo em todas feiras para além daquela charada de fuçar a todos exemplares a mãos sujas?

precisamos repensar as nossas feiras de livro, camaradas

ou ainda queremos perpetuar a nossa pobreza (da dinâmica do livro e leitura)!

 

Por Alerto Bia

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FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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