A boleia que tomara terminara antes do terminal de chapas. Então, pus-me a caminhar, a terminar o resto da distância a pé, por baixo de um sol escaldante; a mochila com os manuais de professor pendurada no ombro direito; ia a contemplar o capim virente; os homens sentados por baixo de uma acácia a ingerir sura, um suco extraído da espata de coqueiro; os alunos indo apressados à escola, de testas perladas de suor.

Para descontrair a caminhada, pus-me então a efectuar algumas chamadas, para entabular conversa com uma e outra ex-namorada de que ainda mantemos algum rastro de intimidade, sempre que as circunstâncias permitem. Isto é às vezes bom, porque o amor é um ensaio do coração. Ademais, atiça as saudades, pensei enquanto rolava a lista de contactos.

Então, liguei para uma moça com quem mantinha encontros ocasionais. Ela não me atendeu. Liguei para uma outra com a qual já não falava há pelo menos dois anos, mas que guardava uma consideração por mim. Foi ela que me atendeu surpreendida, imaginei o esboço de sorriso de satisfação do outro lado da linha; uma linha branca de dentes que parecia lua minguante. Era uma moça bonita para os olhos de muitos, até mesmo quem não a desejasse, sorridente – eu a chamava de moça der sorriso fácil – e ela gostava e sorria mais e mais para mim. Mas por ter tal sorriso fácil, sempre ficava enciumado; achava que ela punha-se a sorrir para qualquer homem na rua, e ficava de gracinha por tudo e por nada.

Ela atendeu-me embrulhando o meu nome no sorriso, era uma pessoa feliz, ou ao menos sabia rir para a vida.

– Há quanto tempo! – Disse com os restos de sorriso a ecoar no fundo do meu ouvido.

– Séculos, há séculos. – Retruquei.

Falamos de tudo e de menos nada. Lembrei-a do dia que me rasgou a t-shirt num motel. Ela sorriu e disse:

– Nunca ia ser comida num motel nem no carro.

O caminho ficava para atrás, nem sentia o cansaço. De vez a outra, arrancava o perlado de suor com um lencinho que sempre que o usava lembrava-me a minha última ex-namorada, com a qual namorei três meses. Ia a falar com o telemóvel ativado no alto-falante porque ele tinha problemas de microfone, quando me deparei com a moça do cajueiro, uma moça alta, escurinha, de cintura de vespa e ancas largas, um peito moldado a mãos artísticas. Quando deus fez a mulher tinha tempo, concluí.

Fiquei muito distraído que a moça sorridente, por algum instinto animal, presumo que tenha notado a minha distração.

– (…) Chamou-me nome.

– Olha, ligo-te a seguir.

– Está bem. – Ela disse.

Encerrei a chamada e aproximei-me da moça do cajueiro.

– Olá, tudo bem?

– Estou bem, obrigada.

– Bons olhos te veem.

Ela riu.

– Há dias que só anjos nos saúdam. – Emendei.

– Aí é…!

– Duvidas?

– Sei lá…

– Peço teu número, quem sabe conversamos com mais vagar.

– Não. – Replicou de chofre. – Tu estavas a falar com uma moça há pouco tempo, liga para ela.

– Era minha prima. – Tornei a emendar.

Atrás vinha um colega meu de carro, e parou assim que me viu e deu-me boleia.

– Tchau. – Disse para a moça do cajueiro.

– É uma moça boa, pah. – Constatou o meu colega.

Sim, meneei a cabeça.

Já passam três meses e, ainda hoje, toda a vez que passo daquele cajueiro vem-me a imagem daquela moça de olhos amendoados no fundo da cabeça. Consigo imaginá-la esperando pelo transporte, o chapa quinze. E se as árvores falassem, ou ao menos o cajueiro assim fosse, ia com ele confabular, perguntar se por alguma ventura a tal moça algum dia passou por ali outra vez. Talvez assim pudesse reencontrá-la.

Por Alerto Bia

 

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FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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