Terça-feira, Dezembro 3

Há outras economias que as manifestações afectam e elas não são perceptíveis a olho nu e, muito menos, para quem se engravata para validar ou negar as hipóteses da erosão dum país que deambula num futuro que não se escreve. É a “economia do amor e do afecto” entre aqueles que abraçados a um tecto salarial sorridente ou boladas a volume de contentores, protegiam os seus pares da chuva e do sol.

Ninguém se atreveria em falar da economia do amor e do afecto em hasta pública. É ultrajante e invasivo para uma sociedade quão reservada e doutrinada a modelo religioso. Não é do interesse público saber porquê a Júlia, uma jovem dum bairro afastado do centro da cidade, transbordara certeza de si que se confunde com elegância que silenciava as conversas insignificantes dos jovens que se penduram em vedações.

A economia do amor e do afecto está incorporada na micro economia que para um simples fazedor de poucos parágrafos ao dia, não saberia dar conceito cientificamente enquadrado. A única certeza é que essa economia já entristece a Júlia, a sua avó que dela dependia para sorrir e para apimentar a boca. As manifestações ocorrem em todo Moçambique e, ao pôr-do-sol, os bairros recolhem os ânimos para reacender o seu sentido lúdico. É aí que a Júlia faz falta. Já não sai com o mesmo rigor de certeza de si. Ou quando sai regressa empalidecida e com o semblante pouco jovial.

A Júlia anda com uma cor indecifrável para a sua natureza estética. Os jovens, sem menor entendimento, ficam entediados à sombra da mangueira que antes lhes trouxera o sonho de um dia, por mais minúsculo que fosse, viver a economia do amor junto da Júlia. Os que são moralistas exclusivamente à luz do dia poderão chamar a essa economia do amor e do afecto de prostituição. Os outros moralistas sem tolerância ao mundo moderno chamarão de prostituição disfarçada. Há algum interesse nesses apelidos ou designações?

A Júlia é parte do sistema cujo objectivo das manifestações é garantir que os jovens que se penduram nas vedações encontrem uma vida fora dos olhares que só cobiçam. Talvez a Júlia triplique a certeza de si quando as manifestações resultarem. Quem sabe? Talvez a Júlia mude de destino, longe do bairro que envergonha as suas vestimentas. Quem sabe?

Antes do anúncio da primeira manifestação, a Júlia foi vista umas tantas vezes com um certo indiano  de uma estatura mediana. Esse usa uma mota cinquentinha, mas é quem garante uns meticais equiparadas ao salário mínimo por duas semanas. O jornalista não credenciado garante que ainda está a trabalhar uma matéria de que a Júlia anda com um desprezível português nos arredores da Julius Nyerere na Cidade de Maputo. Todos esses sumiram, até o desprezível português que era escudo para frequentar lugares mais badalados também desapareceu.

Por Jorge Zamba

Todas as novidades no seu email!

Verifique na sua caixa de correio ou na pasta de spam para confirmar a sua subscrição.

Share.

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

Leave A Reply

Exit mobile version