5 Poemas de Vanildo Muzime
Abro a porta todas manhãs e acendo o candeeiro da esperança, este raquítico sentimento que move-me o corpo a cada nascer do sol. Penso em todas coisas que poderia fazer, mas o vento da lembrança dos dias passados rodeia fugazmente o oceano denso dos meus pensamentos. Queria neste momento abrir uma caixa cheia de tarefas e consumar uma a uma e no fim da tarde, – como nas tardes que líamos Eugênio de Andrade – quando o sol deita o voo, ir a cama e dizer, hoje fulminei a procrastinação. Mas estou aqui, tentando ainda ruminar a tua partida e remendar um coração que pulsa preguiçosamente mirando o dia do fim; e lá fora, os pássaros continuam sobrevoando o céu e as pedras cantando um silêncio mais barulhento que o teu grito, neste cômodo desprovido de borboletas verdes que sobrevoavam os teus cabelos. Lembro-me dos dias que saíamos de mãos dadas para beber o ar do jardim onde tudo começou. Ali, entre copas de árvores abanando, frescuras e ternuras, renunciávamos nossos sonhos para embarcar num outro, onde cabiam só nossas incertezas e paixões. Éramos barro e o criador. Éramos sangue e carne e, em algumas instâncias, almas que dobravam o tempo e cochichavam pelas madrugadas: nisto nunca caberá fim.
Lanças o teu olhar sobre o ombro dos meus olhos como quem por um instante, foi incendiado por memórias de uma vida distante. Por vingança, atiro-te uma flecha pelo olhar como quem tenta escapar de uma ardência na alma, este espaço onde se afunilam as mais sofridas paixões. Tudo é relativo, as cores, as dores e os suores. A distância entre o pulsar sensível dos nossos corações e a distância que separa os nossos corpos. Tudo é poesia, o tempo, a profundidade dos teus olhos e a fragrância das flores. Apetece-me desfolhar-te os pés com que pisas os dias, enterrar-te todas folhas secas e conduzir-te em uma nova aragem à margem do voo adiado. Olhas-me como quem me tem, como olham as nuvens para terra antes de lhe humedecer. Apetece-te dizer-me o que sentes ao atirar teu olhar minucioso e tênue sobre o meu, como apetecia-te naquele dia, naquela esquina e naquela noite fria de abril quando entre sonhos, palavras e olhares, escapava-te por entre os lábios, as sílabas com que se constrói um adeus sinistro.
ESTAÇÕES
Era novo quando descobri que há estrelas que cabem no coração
E que a distância é capaz de tudo, mas covarde na hora de construir
fronteiras.
Era adolescente quando descobri que homens choram, e deitam
sobre as madrugadas a solidão que não coube nas costas do sol,
resultante de mais um dia que se perdeu no osso da penúria.
Foi na adolescência que aprendi a domesticar borboletas verdes
e soube como colher a fragrância que transbordava dos lírios.
Quando chegou a juventude, eu soube a relevância de uma réstia
De amor, e de dor, e de força, e de esperança, e de vida…
E hoje, com os dedos aprendi a apalpar a vida e com os meus
braços aprendi a abraçar ausências e a estender a esperança que
arrota no seio de um coração nobre, que ficara forasteiro do seu
próprio corpo,
sua própria casa.
CABO DELGADO
Chegou-me o teu clamor, irmão, e meu céu ficou mais cinza que a esperança com que vences a fúria do dia-a-dia nas terras que exalam ares medonhos. Ouvi a queda da tua lagrima suada, companheiro, quando te escondias nas matas que tem sido a âncora que segura o nó do palmo restante da tua vida. Cá do outro lado desta leve nação, jovens sem emprego e pão, continuam povoando as celas porque pato preguiçoso acabou – que o diga o vento como – no vale sombrio dos seus estômagos; o país continua bom, irmão. Ouvi que dissiparam vidas com maningue tiros e que restou apenas a caneta sanguínea com que me escreveste a carta. Cá deste lado, o país continua bom, irmão. É com eterna angústia que te escrevo esta carta, como quem queima a língua por tentar injectar trégua nas veias rígidas do Cabo Delgado; cá deste lado, o discurso continua nas rédeas, – estamos a combater o inimigo – enquanto rostos sem mácula nem osso firme padecem nessa peleja. Não há poema que caiba por entre as tuas mãos nem aragem que te arrefece o coração; mas se serve de consolo, saiba que cá deste lado, o estado da nação continua bom, irmão.
O EVANGELHO
Novos ares descem sobre nossa terra novos abismos. Novilúnio anuncia cinzas que sobrevoam o rosto do poema: esta nova homilia de cheiro verde, de braços tenros e de pouca rigidez. Ouço tua voz como uma lâmina revoltada que geme e rasga a alma do véu; puxo com pouca técnica e força o calvário que jorra sangue de um romantismo atónico e pereço. Nasce dos teus dedos um rio que molha e amolece nossa cruz já sem fôlego. Mergulhei no rio. E é este o caminho que fora pregado pelos tontos; esta é a novidade há dois mil invernos.
Sobre o autor
Vanildo Afonso Muzime, mais conhecido como Vanildo Muzime é um poeta (iniciante) Moçambicano nascido aos 16 de Outubro em uma localidade “ Macuacua” distrito de Manjacaze e província de Gaza, zona sul de Moçambique. Começa sua saga nos rabiscos no principio de 2017 por um incentivo de um amigo também poeta/escritor.
Tem participado em vários concursos e antologias literários, tendo sido indicado pela Revista Inverso para menção honrosa do concurso Crianças Africanas, também, participou da antologia Moçambicana lançada recentemente pela editora Emporium e organizada pelo escritor Moçambicano Nélio Gemusse. Também é estudante do ensino médio profissional com especialização na agricultura.
1 comentário
Thanks, hermano.