Quinta-feira, Novembro 21
Modernidade Líquida – CAPITULO 4: TRABALHO – Resumo

Modernidade Líquida – CAPÍTULO 5: COMUNIDADE – Resumo

Bauman inicia seu capítulo dedicado à comunidade, colocando em cantos opostos liberais e comunitaristas. Enquanto os primeiros concebiam o homem como indivíduo autocentrado e solto no mundo, responsável por suas decisões e fadado a escolher, os segundos reconheciam no homem seu passado, a linguagem que lhe foi imposta, a cultura que lhe foi jogada e as tradições que lhe foram imputadas.

No entanto, instiga o autor, o embate entre os dois grupos se retirou da esfera da natureza humana e foi transportado para a política, já que não se trata mais de saber se o indivíduo é ontologicamente livre de qualquer coletividade, de qualquer opinião herdada, mas sim de entender se a ligação com a coletividade, com o passado e com a tradição, é boa ou ruim. O início dessa reflexão leva em conta a comunidade da modernidade líquida como algo postulado, não como uma realidade dada. Ela existe depois das escolhas individuais, não antes. Portanto, ela não é algo que dá condição de possibilidade para uma gama de escolhas específicas, mas é um objeto de escolha específico.

Em termos sociológicos, o comunitarismo é uma reação esperável à acelerada “liquefação” da vida moderna, uma reação antes e acima de tudo ao aspecto da vida sentido como a mais aborrecida e incômoda entre suas numerosas consequências penosas – o crescente desequilíbrio entre a liberdade e as garantias individuais. O suprimento de provisões se esvai rapidamente enquanto o volume de responsabilidades individuais (atribuídas, quando não exercidas na prática) cresce numa escala sem precedentes para as gerações do pós-guerra.[1]

São as inseguranças da modernidade leve que trazem o comunitarismo para o centro do palco. Bauman cita o trabalho de Philippe Cohen, que lista o aumento galopante do desemprego e do emprego temporário e disso, a incerteza em relação à velhice, fazem parte da ansiedade no presente que cada indivíduo sente. É o comunitarismo que atravessa os mares bravos da incerteza e leva seguranças aos seus participantes.

Num mundo de mudanças contínuas, a busca pela filiação segura e eterna a qualquer instituição parece um absurdo: a comunidade enquanto tradição não modificável, enquanto carga herdada, já foi desmantelada. É neste ponto que as identidades apareceram, diz Bauman lembrando de Hobsbawn[2]. A comunidade na modernidade líquida é como um disfarce para a buscada identidade – numa sociedade de consumo, algo a ser sempre procurado e nunca encontrado, sempre testado, nunca definitivo.

A graça da comunidade enquanto um grupo que representa uma certa identidade é a ilusão da impossibilidade de escolha. Quem escolhe uma comunidade para se adequar a uma identidade específica não se dá conta de que está fazendo uma escolha (no sentido da escolha de consumo), mas pensa que a comunidade é um caminho determinado de antemão.

Por sua vez, os perigos que a comunidade afasta para fora de sua fortaleza são baseados em incertezas ontológicas de seus membros: não há qualquer possibilidade da existência de uma comunidade includente, já que sua função é justamente excluir, separar, cortar, segregar. Já os membros, parte importante da comunidade, são associados por um esquema de etnicidade: não necessariamente são etnicamente homogêneos, mas o modelo específico de associação é o mesmo das comunidades étnicas, que naturalizam sua história e colocam na natureza qualquer fator cultural. A ação que a comunidade exige e impulsiona em seus participantes é posta sobre uma base de pertencimento num mundo sem correntes: o ser e o nada.

Segundo Bauman, o único caso de sucesso da comunidade na modernidade pesada foi o Estado-nação sob os discursos nacionalistas, que era colocado em oposição ao patriotismo – sua face boa, em tese. Mas o patriotismo e o nacionalismo são formas de se tentar o laço comunitário que pouco se distinguem,

De fato, há razões para concluir que há pouco que distinga nacionalismo de patriotismo, além de nosso entusiasmo por suas manifestações ou a ausência delas ou o grau de vergonha ou consciência de culpa com que os admitamos ou neguemos. É nomeá-los que faz a diferença, e a diferença é principalmente retórica, e distingue não a substância dos fenômenos mencionados, mas o modo como falamos sobre sentimentos ou paixões que são essencialmente similares. Contudo são a natureza dos sentimentos e paixões e suas consequências comportamentais e políticas que contam e afetam a qualidade do convívio humano, e não as palavras que usamos para descrevê-las.[3]

É claro que as diferenças retóricas são visíveis, enquanto o patriotismo leva a noção do “inacabado”, a procrastinação moderna que guia os indivíduos à perfectibilidade, o nacionalismo se porta como uma versão calvinista do pertencimento: ou você está dentro, ou está fora. Isso pode ser visto tanto na variação pouco utilizada atualmente da hereditariedade biológica, ou na variação em voga, a hereditariedade cultural.

A semelhança que liga os membros das novas comunidades é não só segregadora dentro do espaço social, como também no espaço físico, pois invoca a construção de muros e o emprego de segurança privada e equipamentos de proteção para constante vigilância: no caso das elites em seus condomínios, a diferença com os guetos pobres é pouca, como nos seguranças que guardam acesso, lá empregado formalmente, aqui, parte da comunidade com porte ilegal de arma de fogo. Não é estranho os usos feitos através das instituições para homogeneizar a sociedade a partir de valores vindo de grupos com mais poder: as comunidade de semelhança visam tornar aquilo que está fora de si semelhante a si próprio, ou seja, acabar com o perigo externo tornando o que está fora um tipo parecido, de preferência quase igual, ao que está dentro. Projetar o amor de si no outro. A pureza buscada pela comunidade é, em partes, expressa na tentativa de evitar as confrontações do eu com o outro, com o diferente, com o estranho.

Entretanto, a própria comunidade, como já dito anteriormente, depende da escolha (que se confunde com determinação) feita pelo indivíduo ao buscar segurança num mundo de incertezas. O indivíduo é o átomo da sociedade do consumo e seu corpo é a única coisa que pode controlar, é o único elemento de continuidade, de duração, que pode carregar consigo.

Lado a lado,

corpo e comunidade são os últimos postos de defesa no campo de batalha cada vez mais deserto em que a guerra pela certeza, pela segurança e pelas garantias é travada, diariamente e sem tréguas. Corpo e comunidade devem de agora em diante realizar as tarefas no passado divididas entre muitos bastiões e barricadas. O que depende deles agora é mais do que podem suportar, de tal forma que provavelmente aprofundarão, em vez de aliviar, os temores que levaram aqueles que andavam à procura de segurança a voltar-se para eles em busca de proteção.[4]

Isso porque o isolamento de corpo e comunidade são efeitos de características fundamentais da liquidez moderna: a privatização dos cuidados com a segurança existencial, com a provisão de certeza que era feita pelo Estado, em conjunto com qualquer aspiração de segurança que seus cidadãos precisavam.

Privatização da esfera da vida e fim do Estado-nação?

Bauman assume que o progresso tinha como base o fim do nomadismo e a hegemonia do sedentarismo na configuração da sociedade. Ou seja, o princípio do progresso era a ação humana sobre um dado território fixo, sendo assim, a dominação implicava manter seu próprio território e conquistar outros. A dominação de outros territórios era, por sua vez, a condição de possibilidade do progresso, já os nômades cortavam o senso sedentário da construção territorial, atravessavam diferentes locais sem jurar honra a nenhum referencial fixo.

A vitória do sedentarismo foi a vitória do progresso como ordem, como desenvolvimento sob uma linha reta – que pelo menos seria reta caso otimizada ao máximo – desta forma, a vitória de um progresso humano que domina o que ainda é primitivo, intocável, mas também aquilo que é mal tocado, mal organizado.

O Estado atual perde sua característica pouco a pouco, a máquina de modernização da globalização retira os privilégios do espaço e move para a velocidade, para o movimento. O papel dos Estados deixou de ser aquele de impor regras e passou a ser o de implorar para que o capital pouse por alguns anos em seus territórios. Isso é parte da política de precarização imposta pelo capital, num movimento que, entre tantas opções possíveis, uma delas é a substituição de uma ordem de nação por uma ordem supranacional, que leva à perda do monopólio da violência pelo Estado e sua distribuição às comunidades.

Comunidades explosivas precisam de violência para nascer e para continuar vivendo. Precisam de inimigos que ameacem sua existência e inimigos a serem coletivamente perseguidos, torturados e mutilados, a fim de fazer de cada membro da comunidade um cúmplice do que, em caso de derrota, seria certamente declarado crime contra a humanidade e, portanto, objeto de punição.[5]

As comunidades ditas explosivas se utilizam de uma violência regular, feita, por exemplo, sobre vítimas de sacrifícios, serve como cerimônia para renovar a ligação entre os membros da comunidade, para atualizar as regras do contrato social, ele traz consigo uma lembrança coletiva de um ato de criação, afirma Bauman. Por sua vez, esta morte primeva, não é o que faz da comunidade uma comunidade, pois a existência dela é pressuposta para a eficiência da morte enquanto ato de criação. Mas este ato de criação é uma externalização da violência sem nenhuma possibilidade de vingança. O sacrifício, que é sempre de um outro muito próximo da comunidade, mas sem fazer parte dela, não é um ato de criação da comunidade em si, ou seja, a comunidade não é criada a partir do inimigo morto no sacrifício, mas sim a forma de externalização da violência constitutiva da comunidade, que não aguenta, não suporta a diferença do que está fora de seus portões.

A reencarnação líquida dessas comunidades não exige mais o território, podem se mover pelo ar e atingir públicos diferentes em locais diferentes. São agitadas, mas morrem facilmente, assim como tudo no capitalismo leve. São comunidades que servem a uma certa necessidade específica: conter a solidão do indivíduo participantes por alguns momentos, já que funcionam mais como evento do que como rotina. No fim, não alteram em nada o mundo de seus membros quando o evento acaba.

A nova comunidade explosiva, que Bauman emprega o nome cloakroom communities, desenlaçam os indivíduos, em vez de juntá-los e organizá-los, pois elas evitam o nascimento de comunidade duradouras, na medida em que espalham e desmembram os interesses de seus membros. A sociabilidade é espalhada, não condensada. Portanto, a possibilidade da emergência de uma formação fixa é minada: a comunidade na pós-modernidade não está fora das regras de existência de todas as outras instituições ditas líquidas pelo sociólogo. A comunidade é parte da desordem social, não uma forma de resolvê-la. É uma vã tentativa.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001

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FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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