De forma recorrente, tenho ouvido e lido pessoas e figuras proeminentes da nossa sociedade sobre a violência, reagindo a ondas de manifestação que assolam e tiveram a sua maior expressão após essas eleições presidenciais. Quase todas as figuras, tanto políticos, principalmente os pró-regime, analistas políticos e até jornalistas, acusados de parcialidade nesse tempo eleitoral, trazem um discurso in re ipsa, que é inflexível, fixo e não atende as variáveis necessárias para analisar profundamente essa questão de violência (pós-eleitoral) nesse país. Isto significa que trazem uma abordagem simples, lisa e superficial para um contexto histórica e socialmente complexo, cheio de lodo e profundo.

In nuce, parece que todos os que comentam sobre a violência nessa época restringem-na numa única tipologia, e esquecem outras várias que existem. Tomam a violência como, segundo Infopédia (online, consultado 21/11/24, 20:30), “recurso à força física, à intimidação ou a outro meio para impor a própria vontade, coagir outrem ou causar dano, estrago ou mal”. Essa é a única forma pela qual retractam a violência quando apelam a serenidade e tolerância por parte da população, e, às vezes, por parte da polícia. Parece que a violência, da forma como analisam a mesma, só ocorre nas ruas, entre o cidadão e a polícia, quando este acende pneu e atira pedras para a polícia, e a polícia atira balas verdadeiras e gás lacrimogéneo. De facto, essa é a violência visível a olho nu, explícito e que é fácil de ser reprimida. Contudo, como havia dito, esse é um tipo de violência, intitulada física, mas a violência não se restringe apenas à forma física, como chapadas ou agressões corporais. Ela pode se manifestar de diversas maneiras, incluindo: psicológica/moral, verbal, social, económica, sexual, estrutural, virtual e outras formas distintas de violência possam existir.

Sabe-se por exemplo, que existem variados tipos de violência, portanto, surge a questão, o que faz com que somente se concentre numa única forma de violência, a física? Por um lado, pode ser mesmo falta de análise profunda sobre eventos e fenómenos, mas também pode ser uma tentativa de encobrimento de outras formas de violência que assolam a sociedade Moçambicana, principalmente nessa época de crise. Esse encobrimento tem a única finalidade de responsabilizar um determinado grupo de variados danos que ocorrem agora, ou o que se diz nesses meandros, procuram por um bode expiratório. E, diga-se, por se tratar de um discurso preparado pelos “dominantes”, então é o que mais ocupa espaço nas Mídias, e alguns académicos que são chamados a dar algum contributo numa sociedade em decadência. Tudo que se ouve é que a “violência é a física” apenas.

Mas, segundo a OMS, não é só a violência física que existe. Aliás, já é contraproducente ou parcial explicar violência em termos de “agressões físicas”. Em formas um pouco trabalhadas posso sugerir uma definição mais abrangente da violência, que seria qualquer ação, omissão ou estrutura que cause dano físico, psicológico, moral, social ou econômico, violando a integridade e os direitos de uma pessoa ou grupo. Nesse caso, temos que relacionar violência com palavras como “dano” e “violação”, com uma única finalidade causar dor, seja ela física, psicológica, económica ou outra forma. Deveria desde já, por conta dessa complexidade, referir que pode existir a violência deliberada e a imponderada. A primeira é a que foi pensada, fruto de uma acção levada com propósitos de ferir, e a segunda é a que acontece de forma imponderada, um “sem querer”. Toda violência, ou quase todas formas, podem ser ponderadas como não. Desde já, afirmo que trabalho com a primeira.

Foto de CDD

Tendo já definido de forma genérica a violência, acho que já posso entrar de forma detalhada para definições de tipos de violência, o que deveria ter feito antes. Não irei, claro, fazer um trabalho exaustivo sobre os tipos de violência, até porque é uma informação que pode ser acessível, mas porque tenho um objectivo em mente, que é de igualar e tirar a face da hipocrisia ou ignorância que as pessoas e analistas vestem quando falam desse fenômeno social. Aliás, em alguns casos, ela pode ser auto-infligida, para casos de suicídios e automutilação, só para dar um exemplo. Mas, os acima referidos podem ser definidos como:

  1. Violência Psicológica/moral: Insultos, humilhações, manipulações, ameaças e qualquer comportamento que prejudique a saúde mental e emocional de uma pessoa.
  2. Violência Verbal: Palavras ofensivas, gritos ou discursos que têm como objetivo ferir ou intimidar.
  3. Violência Social: Isolamento de uma pessoa de seu grupo social, espalhar boatos ou prejudicar suas relações interpessoais. Essa, às vezes, é relacionada com/ ou tida como “moral”. Para esse caso em particular, a própria constituição da república de Moçambique, no artigo sobre “outros direitos pessoais”, refere que “todo o cidadão tem direito à honra, ao bom nome, à reputação (…)”.
  4. Violência Econômica: Controle financeiro, privação de recursos ou bens, ou exploração econômica.
  5. Violência Sexual: Qualquer ato sexual forçado ou praticado sem consentimento.
  6. Violência Estrutural: Desigualdades sistêmicas que geram exclusão, discriminação e privação de direitos básicos, como educação e saúde.
  7. Violência Virtual ou Digital: Agressões realizadas por meio de redes sociais, como cyberbullying, vazamento de informações privadas ou discurso de ódio online.

 

Naturalmente, observando tudo o que acontece desde as eleições de outubro até casa, percebe-se que se deixou muito para trás, sem se apontar o dedo a quem prática tais práticas de violência. Como por exemplo, seguindo essa lógica de raciocínio, é violento quando, por conta da marcha, a polícia chame pessoas de “vândalos” ou “marginais”. Entraria na semiótica e diria que a palavra marginal significa “o que está à margem”, o que, per si, é já uma violência, a social. Mas esse marginal não é usado nesses termos apenas, mas possui conotações negativas e pejorativas, o que se vai tratar de violência psicológica ou moral. A polícia, numa única palavra, violenta duas vezes. Mas, cala-se sobre isso.

A Procuradoria-Geral da república, por exemplo, é violenta quando “priva o uso de bens ou recursos” ao Venâncio Mondlane, principalmente quando não possui uma base legal para isso. O que, no mesmo tom, se configura numa violência estrutural, o que às vezes é tudo como abuso de poder. Mas, ninguém fala disso, aliás ninguém condena isso.

Contudo, parece-me que, tendo em conta o nosso contexto e a nossa realidade, na violência estrutural falta um tipo de violência, ou que deveria ser incluso nela, uma das duas. Mas, num contexto em que se diz “democrático”, há instituições e órgãos democráticos, que estão lá para revitalizar e regular a democracia, e que sem elas não haveria democracia, ou desapareceria, porque, penso, ela é uma abstração, um nada concreto, logo precisa de estruturas para se realizar, materializar. Porque o auge da democracia em Moçambique são as eleições, os órgãos que sustentam a democracia são a STAE, CNE E CC. Depois de haver a votação, segue-se a contagem de votos e a proclamação de resultados. Se esses resultados são deliberadamente adulteradas e falsificadas para favorecer um determinado partido ou grupo, então pratica-se violência. Nesse caso, a CNE teve uma atitude violenta.

Aquando dos acordos para democracia, verificou-se, de forma acertada, que a CNE pode estar comprometida e viciada, por isso, a sua proclamação necessita de uma validação jurídica, e essa tarefa é atribuída ao CC. Verifica-se um processo democrático e belo, onde, a proclamação de um vencedor não vai depender de uma entidade apenas. Por via disso, a CC, deixando os seus papéis técnicos e jurídicos, fazendo um trabalho político, parcial e injusto comete violência.

Esses dois exemplos, estão dentro de um mesmo quadro teórico, que se denomina violência estrutural. Mas, porque são mais específicos, passo a denominar “violência democrática”. Esse tipo de violência acontece quando uma determinada pessoa, grupo de pessoas instituição fere princípios democráticos, quando promove acções que ferem a democracia. Esse é um tipo de violência pois resulta em dor no violentado, pois toda acção resulta em prazer ou dor, deliberadamente ou não.

Essa é a pior violência que existe pois, uma vez feita, as pessoas não têm muito o que fazer, legalmente, para a contrariar, pois a única forma de contrariar a proclamação da CNE é fazendo um recurso no CC, e este é irrecorrível. Imagine o caso em que a CC é extremamente violenta? Como se reage a isso? Talvez com silêncio, mas depois de muito tempo em silêncio, esse pode não ser mais uma opção. Quando milhões de moçambicanos vão às urnas, e desprezam a sua escolha (o único momento em cinco anos em que o povo governa, de verdade), então não há uma outra forma de ver isso senão violento.

Por Domingos Mucambe

Todas as novidades no seu email!

Verifique na sua caixa de correio ou na pasta de spam para confirmar a sua subscrição.

Share.

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

Leave A Reply

Exit mobile version