“Estórias Trazidas pela Ventania” – Entrevista a Adelino Albano Luís
No cenário literário moçambicano, desponta um talento promissor que cativa os leitores com sua habilidade singular de tecer histórias que reflectem a vida e as complexidades humanas. Adelino Albano Luís nasceu na Cidade de Chimoio e é um autor que (até então) se destaca pela sua dedicação ao género literário do conto. Com uma licenciatura em Filosofia pela UEM, ele traz uma perspectiva profunda e reflexiva para as suas narrativas. Em 2022, fez sua estreia literária com a obra “Cronicontos da Cabeça do Velho”, laureada com o Prémio Literário Calane da Silva / Alcance Editores na sua 4ª edição, em 2021. Desde então, Adelino Albano Luís tem consolidado sua presença no cenário literário moçambicano, conquistando reconhecimento e elogios.
Hoje, dia 31 de agosto de 2023, é lançado (em Chimoio) o seu mais recente livro de contos intitulado “Estórias Trazidas pela Ventania”, uma obra que promete cativar e provocar uma variedade de emoções nos leitores. Nesta entrevista, Adelino Albano Luís leva-nos a uma jornada através de seu processo criativo, revelando como suas influências literárias moldaram seu estilo, e como a realidade moçambicana é sua fonte de inspiração. Através de suas palavras, mergulharemos nas profundezas da sua paixão pela escrita e na importância da literatura como uma voz para denúncia e reflexão.
Fernando Absalão Chaúque (FAC): Gostava de saber, da voz do próprio autor, como define este “Estórias Trazidas pela Ventania” que, hoje, 31 de Agosto de 2023 é lançado pela Fundza?
Adelino Albano Luís (AAL): Defino o meu primeiro livro, o “Cronicontos da cabeça do velho”, como sendo um livro simpático. Pois todos os contos do livro haviam sido escritos com o intuito de trazer um sorriso ou uma alegria aos leitores do mesmo. No caso das “Estórias trazidas pela ventania” o cenário é outro, encontramos contos que podem provocar diferentes sensações e sentimentos ao leitor, desde tristeza, alegria, satisfação e até revolta. Na verdade, tentei trazer o máximo possível da vida ou do mundo em si (sem maquiagens). Sendo assim, definir este livro é, ao mesmo tempo, definir o mundo ou a vida. E o que é a vida/mundo senão uma grande tragicomédia?
FAC: Como surge e como foi o processo de construção das histórias presentes neste livro?
AAL: Escrevi os “Cronicontos” sob forte influência do Mia Couto. Lembro-me que na época havia lido, praticamente, apenas livros do Mia. Ora, os livros do Mia são muitos, mas não infinitos. Chegou uma fase em que esgotei os livros do Mia que, naquele ano, estavam disponíveis. Então, vi-me forçado a procurar outros narradores, alguns deles com temas, tempos e lugares distantes do que eu estava habituado. Esta viagem, felizmente, correu muito melhor do que eu imaginava e deixei-me influenciar por outros mestres da palavra, como o Dostoiévski, o Machado, a Chiziane, o Edgar Allan Poe, Panguana, Wambire, Pepetela, Júlia Lópes de Almeida, Goethe, Esquilo, e tantos outros. Mas, também, nutri-me de autores jovens do nosso país que, também, têm uma qualidade extraordinária. As “Estórias” surgiram, precisamente, nesse contexto de abertura para outros autores, outros horizontes.
FAC: Os dois livros “Cronicontos da Cabeça do Velho” e “Estórias Trazidas pela Ventania” quanto à estrutura, começam com prólogos. Existe alguma conexão entre eles?
AAL: Os prólogos são a maneira que encontrei de tentar justificar aos leitores de onde vêm as estórias. É como se lhes apresentasse o verdadeiro narrador das estórias, fazendo do nome Adelino Albano Luís uma figura de estilo para embelezar a capa, ou, ainda, um impostor. É uma tentativa de desligar o meu nome do livro. Talvez por influência das aulas de Hermenêutica, na faculdade de filosofia, em que aprendi que o narrador e o autor são duas realidades diferentes, com histórias diferentes. E quando releio os meus contos antigos, começo a perceber o alcance destas palavras. Pois não me revejo neles. Então, pode-se dizer que os prólogos fazem parte da minha maneira de estruturar o livro.
FAC: No “Cronicontos da cabeça do velho” há um conto intitulado “O vendedor de badjias e o Cão tinhoso”. Neste há o “Raptei o Mia Couto”. Ademais há, nos dois livros, a construção de novas palavras que lembra o Mia além de que o primeiro livro é dedicado a ele. Gostava que falasse um pouco da sua relação literária com estes dois escritores.
AAL: Dedicar o meu primeiro livro ao Mia Couto foi a coisa mais justa que eu poderia ter feito. Pois, tenho dito, e com toda honestidade, foi graças a leitura dos livros do Mia que me aventurei em pegar a caneta e escrever as minhas próprias estórias. Penso que dificilmente teria trilhado este caminho se não tivesse tido a oportunidade de, em 2020, em meio a pandemia da covid-19, ler o “Vozes anoitecidas”. Portanto, a relação que tenho para com o Mia é a mesma que a de um discípulo e mestre, um fã e um ídolo. Quanto ao Honwana, é um génio que escreveu um dos melhores livros moçambicanos, o “Nós matamos o cão tinhoso”. A leitura deste livro, que só aconteceu em 2021, impactou-me tanto que não poderia ficar indiferente. Quis homenageá-lo e não vi melhor forma a não ser por meio de um conto. Se para os cantores a melhor forma de homenagear alguém é lançando uma música, penso que para nós os contistas é escrevendo um conto, fazendo destas figuras ilustres os nossos personagens, mas, é claro, com todo respeito. Nestes dois livros, rendo homenagem a estes dois escritores, mas tenho contos (inéditos) que falam de muitos outros escritores que, de alguma maneira, depois da leitura dos seus textos, senti-me na obrigação de prestar alguma homenagem.
FAC: Este livro explora diversas temáticas sociais que espelham a realidade quotidiana e a histórica de Moçambique. Qual foi o motivo dessa abordagem? Será a realidade a sua musa?
AAL: Sim, podemos dizer que a realidade é a minha musa. E a minha escrita é, acima de tudo, um acto de desabafo. É a oportunidade que tenho de gritar a todos o que tanto me corrói por dentro: as injustiças; os casos malparados; os burladores; os abusos sexuais; os casamentos prematuros; as violências domésticas; a mendicidade; a loucura; e tudo quanto tenho tristemente testemunhado no nosso país. Tudo acaba sendo transformado em conto, também como um acto de denúncia e ponto de partida para uma reflexão. Mas porque não é só de tristeza que é feita a realidade moçambicana, temos contos que, certamente, alegraram os nossos leitores. Mesmo no sentido “tragicómico” que me referi anteriormente
FAC: O seu livro anterior, “Cronicontos da Cabeça do Velho”, venceu o Prémio Literário Calane da Silva/Alcance Editores na sua 4ª edição que lhe deu direito a publicação. Podes explicar como essa conquista te impactou como escritor?
AAL: Nunca pensei que um dia publicaria um livro. Quando comecei a escrever as minhas primeiras estórias (finais de 2020), era para “consumo pessoal”. Mas, justamente, depois de compilar 20 estórias, calhou-me um cartaz da Alcance Editores falando sobre o concurso. Confesso que primeiramente, mais do que a possibilidade de publicação, atraiu-me o valor monetário que estava em jogo. Submeti o meu original sem muitas expectativas, era um oceano totalmente novo para mim, mas, para a minha surpresa, venci o concurso. Só depois vi a dimensão de tudo aquilo, afinal, vencera um concurso com, literalmente, as minhas primeiras estórias. Seguiram-se outros prémios e me fui convencendo que o caminho que deveria seguir era mesmo esse, pois ter o seu livro impresso por uma editora, lido por outras pessoas, dá uma satisfação imensurável. Em suma, o prémio da Alcance foi uma grande alavanca para, propriamente, iniciar uma carreira como escritor.
FAC: Já tem planos ou projectos futuros após “Estórias trazidas pela ventania”?
AAL: Escrevo muito. Tenho muitos contos inéditos que dariam para compor um ou dois livros com o mesmo tamanho que as “Estórias”. Portanto, depois das “Estórias”, certamente, haverá outro(s). Sobre o quando não posso precisar. Apenas pode ter certeza de que quando a oportunidade surgir, estarei preparado para oferecer mais alguma coisa aos nossos leitores que, até agora, têm dado um feedback muito positivo que me encoraja a continuar a escrever. Ademais, escrever tornou-se parte da minha rotina, parte de mim. E enquanto durar esse gosto pela escrita, haverá, sempre, projectos
FAC: Quais são os livros que mais te impactaram?
AAL: Na verdade são dois: o primeiro é “O regresso do morto” de Suleiman Cassamo. Livro belíssimo. Penso que o que Cassamo faz com as palavras é coisa de outro mundo. Consegue tocar no mais íntimo do nosso ser. Ler a prosa de Cassamo, trás o mesmo êxtase que quando se lê a mais refinada poesia. É o livro do meu coração. Penso que tinha de ser leitura obrigatória no nosso seio.
O segundo é “Os sofrimentos do jovem Werther” de Goethe. Livro que gerou uma onda de suicídio aquando da sua publicação. Os porquês não digo, para não criar spoiler. Recomendo a leitura, mas apenas para aqueles que se encontram bem emocionalmente. É um livro impróprio para quem está a “sofrer de amor”. Mas se a teimosia for mais forte, então leia em simultâneo com o belíssimo livro de Ovídio, “Remédios de amor”.
Leia 13 Frases do livro CRONICONTOS DA CABEÇA DO VELHO, de Adelino Albano Luís AQUI
Livros do autor entrevistado
Título: Cronicontos da cabeça do velho
Editora: Alcance editores
Pags: 95
Ano: 2022
Título: Estórias Trazidas pela Ventania
Editora: Fundza
Pags: 163
Ano: 2023
Biografia do autor
Adelino Albano Luís nasceu em 1998, na Cidade de Chimoio. Licenciado em Filosofia pela UEM, é professor e o conto é seu género literário de eleição. Estreou-se com obra ″Cronicontos da Cabeça do Velho″ (2022), prémio literário Calane da Silva ⁄ Alcance Editores (4ª edição – 2021). Conquistou o primeiro lugar do Concurso de Crónicas da 1ª edição da Feira do Livro da Beira (2021); Conquistou o primeiro lugar do concurso literário Dia Mundial da Língua Portuguesa: estórias pandémicas, e foi finalista do prémio Fundação Fernando Leite Couto (2022), com a obra Estórias trazidas pela Ventania. Participou em várias antologias, dentre as quais o volume I de Espíritos Quânticos – Diário de uma Quawwi.