15 livros de Prosa mais influentes na literatura moçambicana

A literatura de Moçambique é rica, diversificada e profundamente enraizada em sua história, cultura e experiências sociais. Por meio de uma gama de autores notáveis, a literatura moçambicana emergiu como uma voz poderosa, abordando temas cruciais como a era colonial, a independência, a opressão, a luta pela liberdade e a complexa interacção entre tradição e modernidade. Neste texto, embarcaremos em uma viagem fascinante pelos livros de prosa mais importantes na literatura moçambicana, explorando as obras que não apenas deram forma à narrativa literária do país, mas também ofereceram uma visão profunda e impactante da vida, do sofrimento e da resiliência do povo moçambicano. Através das páginas dessas obras-primas é possível testemunhar a transformação de Moçambique ao longo do tempo e celebrar os autores que contribuíram para a riqueza do panorama literário.

  1. Godido e outros contos – João Dias

Godido e outros contos (1952) é uma colecção de narrativas do autor moçambicano João Dias. Este livro foi publicado após a sua morte e retracta as reais circunstâncias da experiência da população negra durante a época colonial. Embora em um estágio inicial de desenvolvimento e influenciado pela literatura colonial, esta obra abriu as portas para uma nova forma de literatura, repleta de sensibilidade e características distintas, conferindo a João Dias o título de precursor da literatura moçambicana na narrativa.

  1. Nós matamos o Cão Tinhoso – Luís Bernardo Honwana

Nós Matámos o Cão-Tinhoso (1964) é uma obra literária marcante da moderna literatura moçambicana, composta por uma série de contos, incluindo “Nós Matámos o Cão-Tinhoso”, “Dina”, Papa, Cobra, Eu”, “As Mãos dos Pretos”, “Inventário de Imóveis e Jacentes”, “A Velhota”, e “Nhinguitimo”. Este livro é considerado um clássico da literatura moçambicana, revelando a opressão enfrentada pelos trabalhadores colonizados e suas famílias sob o domínio colonial português em Moçambique.

Em 2002, Nós matamos o Cão-Tinhoso foi classificado entre os “100 melhores livros africanos do século XX”.

  1. Os Molwenes – Isaac Zita

Os Molwenes de Isaac Zita é uma coleção de contos publicada postumamente pela Associação dos Escritores Moçambicanos em 1988. Estes contos destacam personagens desprovidas de recursos, submersas na miséria e destinadas à marginalização ou morte.

A escrita do autor expressa angústia, desespero e desencanto, enquanto mapeia a época e suas profundas divisões sociais. Apesar de muitos textos deste livro se situarem temporalmente no período anterior à independência, os problemas que sondam são actuais.

  1. Portagem – Orlando Mendes

O romance Portagem, escrito por Orlando Mendes na década de 1950 e publicado em 1966 pela Colecção Prosadores de Moçambique, explora as relações sociais em meio ao contexto histórico do colonialismo português. A narrativa destaca o protagonista mulato clandestino João Xilim, que luta para se adaptar em um ambiente dominado pelo medo e pela insegurança, revelando as complexidades da sociedade moçambicana na época colonial.

Por fim, o romance Portagem consagra o escritor Orlando Mendes como o primeiro autor de um romance moçambicano que irá tratar da inaptidão de um mestiço numa sociedade cercada pelo domínio português durante a era colonial.

  1. Yô Mabalane – Albino Magaia

Yô Mabalane! é uma obra literária do autor moçambicano Albino Magaia. É uma reportagem ficcional que retrata o rapto e encarceramento de um grande grupo de refugiados moçambicanos na Suazilândia, um acontecimento que ocorreu na década de 1960. Este livro é uma narrativa envolvente que oferece uma visão intensa e comovente das experiências dos refugiados durante um período tumultuado na história de Moçambique.

Através de uma narrativa ficcional, Albino Magaia explora questões profundas relacionadas à migração forçada, ao deslocamento humano e à busca por refúgio em tempos de conflito. Ele pinta um retracto vívido das lutas, dilemas e desafios enfrentados pelos personagens enquanto tentam sobreviver e preservar sua identidade em meio a circunstâncias adversas.

Yô Mabalane! é uma obra importante da literatura moçambicana que não apenas oferece uma visão da história da região, mas também aborda questões universais relacionadas à dignidade humana, resistência e solidariedade em face da adversidade. Este livro é valorizado não apenas por sua narrativa envolvente, mas também por seu significado social e político na literatura moçambicana.

  1. Ualalapi – Ungulani Ba Ka Khossa

Ualalapi, escrito por Ungulani Ba Ka Khosa e publicado em 1987, é um romance que narra as façanhas e excessos de Ngungunhane, um rei nguni destinado a assassinar Mafemane, outro rei. O livro se passa no final do século XIX, durante a expansão colonial portuguesa no sul da África, e destaca o conflito entre identidade pré-colonial e as consequências da transição para a era colonial.

Ualalapi é o nome dum guerreiro nguni destinado a matar Mafemane, um hosi (rei ou imperador em idioma Tsonga). O propósito de assassinar o rei faz parte da ambição do irmão deste, chamado Ngungunhane. A história, contada em seis episódios, narra as façanhas e os excessos de Ngungunhane, que após a morte do irmão ocupa o lugar de mando. Há um afã épico na narração que salienta a personagem Ngungunhane, ao mesmo tempo, como um tirano e um herói; os detalhes sanguinolentos das acções misturam-se com um espírito de rebeldia que se opõe à conquista europeia.

Este livro foi eleito um dos 100 melhores romances africanos do século XX.

  1. Terra sonâmbula – Mia Couto

Terra Sonâmbula, publicado em 1992 por Mia Couto, é um romance que narra a história de Muidinga e Tuahir, que buscam refúgio em um machimbombo abandonado durante a guerra civil em Moçambique. O livro combina elementos da cultura moçambicana com uma narrativa lírica e crítica, revelando a dura realidade enfrentada por um país marcado por conflitos e esperanças persistentes.

Terra Sonâmbula é um romance admirável, sem dúvida uma das melhores obras literárias que nos últimos anos se escreveram em português. Por isso, foi também considerado um dos melhores livros africanos do século XX.

  1. Xicandarinha na lenha do mundo – Calane da Silva

Xicandarinha na Lenha do Mundo, lançado pela Associação dos Escritores Moçambicanos em 1987, é uma colecção de histórias divididas em duas partes, abrangendo o período antes e após a independência de Moçambique. As histórias retractam a vida de uma camada social influente e suas lutas de identidade e escolha.

Nessas histórias, “Xicandarinha”, o autor nos leva ao cerne do ambiente cultural de uma camada social específica, que, apesar de influente, paradoxalmente, recebeu pouca atenção e estudo. Ele retracta com sinceridade os conflitos e dilemas enfrentados por essa camada social, destacando a dificuldade de identificação e as escolhas sempre desafiadoras. A criança que atua como narradora antecipa, através das fendas da cerca de caniço, a visão de outro mundo que está associado ao sofrimento.

Na segunda parte das histórias, intitulada “Lenha do Mundo”, que é mais diversificada e abrange situações que ocorrem após a independência, a forma tradicional de narração é deixada para trás, dando lugar a um diálogo interno repleto de perplexidades e revoltas. Embora possam ser consideradas menos elaboradas em comparação com as histórias anteriores, elas oferecem um valioso testemunho de um observador atento e preocupado com as mudanças e fenómenos da vida social contemporânea.

  1. O regresso do morto – Suleiman Cassamo

O Regresso do morto, escrito por Suleiman Cassamo e lançado em 1989, é uma coletânea de contos que explora as contradições sociais e culturais vivenciadas pelos trabalhadores marginalizados, crianças, idosos e mulheres em Moçambique.

Nestes contos, o autor presta uma homenagem comovente aos marginalizados sociais representados por personagens sofridas e resistentes como Ngilina, Laurinda, Nyeleti, Madalena, Jandina, Velina, Moisés, Djimo, Lucas e outros. E ainda nos comove com os companheiros dos homens, o morto que regressa, o burro de carga e o cão Bobi.

  1. Balada de amor ao vento – Paulina Chiziane

Este romance, que teve sua primeira publicação em 1990, representou a estreia literária da autora moçambicana Paulina Chiziane. Na época, ela alcançou o marco de ser a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique. Além disso, Paulina Chiziane fez história ao se tornar a primeira africana a receber o prestigioso Prémio Camões em 2021.

A obra da autora explora de maneira profunda e impactante as dificuldades e desafios enfrentados pelas mulheres em Moçambique, que vivem em uma sociedade profundamente patriarcal, onde questões políticas, culturais e religiosas desempenham papéis significativos. A narrativa critica de forma contundente a prática da poligamia no país, oferecendo uma análise crítica das relações de género e do poder.

  1. Xitala Mati – Aldino Muianga

Xitala Mati, publicado em 1987, reúne histórias inspiradas na vida no pantanal da Munhuana e oferece um retracto autêntico das experiências das pessoas que ali viviam. O livro é uma representação das complexidades da vida social contemporânea em Moçambique.

  1. Mbelele e Outros Contos – Aníbal Aleluia

Mbelele e Outros Contos é uma obra de Aníbal Aleluia, escrita em meados dos anos 50 e publicada em 1987. Esses contos descrevem a ocorrência milagrosa da chuva após uma seca severa em Gaza, Moçambique, destacando a influência das crenças locais na vida das pessoas.

  1. Ninguém matou Suhura – Lília Momplé

Ninguém matou Suhura (1988), escrito por Lília Momplé, é uma colectânea de contos que oferece um testemunho importante da história recente de Moçambique, abordando o colonialismo português e seus impactos sociais e históricos.

O conto Ninguém matou Suhura é ambientado na Ilha de Moçambique e se passa em novembro de 1970. Esse conto trata do estupro e assassinato de Suhura pelo Senhor Administrador, um português que acumulava as funções de Administrador de Distrito e Presidente da Câmara. O conto denuncia a violência praticada pelos portugueses em suas colónias africanas e a relação que estabeleciam com os negros africanos.

  1. Xefina – Juvenal Bucuane

Em Xefina (1989) as personagens protagonistas (Alfredo e Jota) recuam no tempo, num passado distante, em busca de acontecimentos que marcaram as suas vidas e relatam-nos no presente. Ademais, discute-se, nesta obra, o período final da administração colonial portuguesa e o início da descolonização nos anos de 1974/75 e as aspirações dos moçambicanos na sua autonomia política, que se veio a concretizar a 25 de Junho de 1975.

Esta obra demostra que o passado de repressão, de opressão, de exploração, de segregação racial e muitos outros males perpetrados pelo colonialismo português jamais serão apagados da memória das pessoas, sobretudo da memória colectiva, mantendo-se, assim no subterrâneo, latente e submisso por conta de discursos actuais que se desdobram em justificativas, alegando-se imperativos históricos daquela época e até de outros imperativos de ordem civilizacional.

Os discursos dos protagonistas têm mais enfoque no presente com visão no futuro de boas e necessárias relações mútuas entre as comunidades, impostas pela realidade actual de estados multiculturais e de diversidade, mas que fazem parte de um todo global.

  1. As visitas do Doutor Valdez – João Paulo Borges Coelho

As visitas do doutor Valdez, escrito por João Paulo Borges Coelho, utiliza memórias mediadas pelo presente para construir a identidade dos personagens e explorar a história de Moçambique durante a transição do colonialismo para a independência. O romance faz uso de referências históricas como elemento de crítica social.

Tendo como pano de fundo o final de um império e o nascimento de um país, esta é a história do ocaso de duas velhas senhoras e do crescimento de um rapaz. Fechados numa pequena casa, esforçam-se os três – cada um à sua maneira – por construir uma família fora do tempo e das convenções. Mas são muitos, e fortes, os sinais que entram pelas janelas para dar sabor às suas vidas. Vindos de fora e também de trás, no tempo. Entre um passado denso e um futuro que é uma incógnita, surge um Dr. Valdez tocando a campainha para lhes estruturar os diálogos. Este romance recebeu o Prémio José Craveirinha de 2006.

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FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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