Encontrámos no passado uma forma mais desportiva de discutir ciência e manter os músculos do cérebro activos para auto vigilância, assim como para aprender a reduzir estranheza aos factos, todo tipo de factos. Falamo-nos sempre em uma tela diminuta, com recurso ao Skype. E eu, então, sou responsável em folhear jornais, revistas científicas e alguns artigos quando o tempo me sobra para o efeito, elaboro as perguntas como se tratasse de uma engenharia em palavras. A Sarah está habituada, em abono da verdade, ambos gostamos desse curto momento de partilha de saberes. Mas recebi um telefonema sem aviso prévio, são aproximadamente 12h, uma hora sagrada para repouso dos meus neurónios durante o almoço. É um número de WhatsApp estrangeiro. É a Sarah. Do garfo devolvi a porção da comida ao prato e arrastei-me a um local que assegurasse melhor audição e privacidade. Pelo menos, ela está bem, desculpa-se por me telefonar sem um pré-aviso. Respondo com a devida cortesia e fomos descrevendo o curso da rotina diária. Terminámos e logo os meus tímpanos são invadidos por um suspiro fervoroso. Antes de eu fazer qualquer pergunta, a Sarah se antecipa.
– Estamos em 2070, não é importante a nossa idade, mas não somos mais adolescentes ou jovens. Okay? Não li o artigo de Cheik Hamidou Kane, não tive tempo e também é um texto extenso. No lugar de Aventuras de Umbigo, falemos de Moçambique nas mesmas circunstâncias em que comunicamos desde o primeiro dia, a diferença é que estamos em 2070. Okay? Você aí e eu aqui. Deal?
– Sugeres para ficcionar Moçambique em conversa?
– Sim. É da conversa que nascem outros olhares e realidades. Na próxima semana vamos embarcar no voo do tempo para 2070.
– É estranho para mim. Confesso. Tu é que farás as perguntas. Certo?
– Claro que sim, na verdade, já elaborei maior parte delas.
Terminou o telefonema e a conversa manteve-se em meus pensamentos. Falar sobre Moçambique em 2070? Como poderia eu prever um futuro tão distante quando não sei como será o dia seguinte? Se perguntasse sobre a Europa, talvez tivesse a certeza de que será um continente tropical em, no máximo, dois séculos. Estará a Sarah a testar o alcance do meu pessimismo ou queira medir o meu quociente de inteligência? Comecei, embora, de forma precipitada, a imaginar-me como um cidadão moçambicano da posteridade, forcei tanto o futuro que tudo me saía às escuras. Quis insultar a Sarah adentro por interromper o meu escasso almoço para falar de perspectivas futurísticas e, ainda, sobre Moçambique. Voltei à mesa que já se encontrara vazia com excepção da presença de moscas deliciando do meu prato. Talvez esse seja o futuro, a substituição do ser por insectos, estou confuso, penso em telefonar para Sarah e propor outras temáticas alternativas, há várias, porém, eu entendo. Essa sugestão pode ser uma reabilitação ao meu esqueleto de sonhos e com base nos seus movimentos cambaleantes, dispõe-se a diagnosticar os sinais vitais. Sobre o futuro, não sei, não caibo nas profecias e nas ciências estatísticas. Não sei se a África será habitável nos próximos séculos pelo clima desértico ou se a Antártida descongelará, não sei. Agora estou é com ódio das moscas que posaram no meu almoço.
Por Jorge Zamba
1 comentário
Realmente fica difícil saber como será em 2070 se mesmo o dia de amanhã e uma incógnita