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Realismo Visceral: Bolaño, Literatura à Margem do Tempo

Realismo Visceral: Bolaño, Literatura à Margem do Tempo

Tudo pertence ao tempo. O próprio tempo pertence a si próprio. A literatura engole-nos. Quando nascemos, ela já estava aqui e, quando nos formos, ela continuará aqui.

Por que motivo a cultivamos?, Que razões estão por detrás da obstinação de um homem pela escrita?, Escrever dói, é entediante e põe-nos em discussão com fantasmas incognoscíveis.

Alguns, ao longo da vida, nos belos momentos  da juventude, metem-se em grupos artísticos para passar o tempo, dizem-se poetas, escritores, músicos, e por aí em diante.

Mas a vida, quando já amadurecida pelas ocupações profissionais, dificuldades financeiras e familiares, atira-se a toalha ao chão. O então poeta-escritor observa o passado com distanciamento e ri-se das intenções de outrora, as de viver para escrever e ler constantemente. Agora faz outra coisa, já tem uma vida e a literatura não mais passa de um sonho de infância, adolescência, juventude.

Com Arturo Belano e Ulisses Lima a coisa é diferente, eles vivem o tempo inteiro pela poesia e para a poesia. Desfaz-se o movimento literário, mas eles continuam sendo os principais representantes do Realismo Visceral. Levam a escrita até às últimas consequências porque não têm outra profissão senão a de mendigar as palavras, a estética, os livros, o amor e a foda. Repudiam violência, mas praticam-nas de tempos a tempos.

Roberto Bolaño, com estes Detectives Selvagens, enfatiza o que sempre afirmou: a literatura visceral, a que sangra emoções intensas, nasce na fome, no amor, no sexo e na incerteza. Já tínhamos visto tal coisa em 2666, com aquele escritor desaparecido e procurado pela crítica e cobiçado pelas universidades.

Bolaño não escrevia apenas para os leitores, dedicava os seus rabiscos aos escritores e a quem pretendia escrever. Desempenhou tal função até aos dias que lhe faltou um rim. E sem o rim perdeu a vida.

Entre várias coisas belas que poderíamos aqui dizer sobre Detectives Selvagens, vamos a última cena, que nos lembra Tarantino ou Vince Gilligan em Braking Bad: Belano e Lima, nos desertos de Sonora no México, estão em fuga com Césaria Tinajero, Lupe e García Madero – os últimos  integrantes do Real Visceralismo. Navalha, peito rasgado, dois tiros, três mortes, e uma fuga em seguida. A descrição é detalhista e poeirenta. Exige-se que o leitor esteja de olhos atentos, mas protegidos.

Enquanto leitores, fomos igualmente membros do Realismo Visceral. Obrigado, Bolaño. Somos gratos ao Infrarrealismo, que nos mostra o quão    a revolta e a subserviência são importantes itens para a evolução da literatura. Desculpem-nos, não se fala de um calhamaço em alguns parágrafos. Mas qui fica a intenção…leiam Bolaño.

Por Albert Dalela

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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