O comboio ronca o seu motor em combinação com o ruído da linha férrea que induz a minha péssima imaginação a um descarrilamento, estou confuso, apopléctico, mas, em abono da verdade, não teimo tanto a tal possibilidade. O meu vagão descarrilou antes de me fazer ao comboio. Melancólico, estou a voltar para casa, o ambiente é climatizado, assentos relativamente confortáveis para o nível de pobreza absoluta do país. Estou em diálogo com a minha consciência que rasga e projecta dias relampejantes. Como é a consciência em debate, ela volta a lembrar-me de que sou humano e, por isso, mortal, vulnerável à minha própria existência.
Ainda durante a viagem, vejo paisagens naturais, tudo verde para sorte dos meus olhos. Devo ter a esperança que a natureza propõe? Dentro do meu vagão, uns passageiros tocam música alta, dançam amapiano, pelo menos, estão, no momento, alegres. É bom e satisfatório para o meu ego ferido. Economizei dinheiro que usaria para tomar umas cervejas na primeira esquina que eu encontrasse ao descer. A cabeça doía a um ritmo que desafia as leis da Física. Estava para o chão, morto, literalmente. Fi-lo bem em viajar de comboio, salvou-me de provável surto ou talvez, de primeiros vestígios para loucura.
A paisagem, a natureza verde, coagiu a minha cogitação para pensar em temas actuais, como aquecimento global e mudanças climáticas. Comparei-me ao estágio actual do mundo com temperaturas altas, antárctico a descongelar. Mas, e se eu nunca tivesse sido experienciado as ambições de consumo exagerado, de querer viver além do que a realidade me sugere? Seria ainda como aquela paisagem natural, totalmente verde. Essa comparação põe-me perplexo que a música dos passageiros usando caixa de som se equipara a um sino qualquer depois de meia-noite, irritante e incomodativo.
O comboio já havia percorrido uns bons quilómetros; são 19h e partimos às 16h40. A iluminação da Cidade de Maputo é visível pela janela gigante. Sinto os freios do comboio e uma movimentação descontrolada dos passageiros que querem descer. Estou no abstracto que quase esquecia de ficar na estação onde devo seguir para casa. Uma senhora toca no meu ombro e me alerta de que já chegamos ao destino. Agradeço, sorridente. Voltei à Cidade das Acácias, actualmente sem acácias. Novamente, chega-me a mesma dor com que me deparei antes de apanhar o comboio. Tenho de viver com isso.
Apanhei um chapa para encurtar a distância. É noite e com o fardo que carrego não chegaria vivo se decidisse caminhar. Não vejo mais paisagens naturais recheados de verde, somente carros competindo velocidade e com luzes de faróis no máximo numa via iluminada. Estou igual aos automobilistas que correm mesmo sem pressa e ligam o máximo nos faróis quando não é necessário. É desespero pela sobrevivência? Não tenho resposta, é revoltante.
Por Jorge Zamba