Num país praticamente autoritário, a pouca aparência da democracia deve ser explorada ao máximo para expor o autoritarismo. Num país aristocrático, a pouca influência da democracia deve ser explorada ao máximo para se expor a aristocracia. Os estados, historicamente, sempre tiveram aparências opostas ao democrático – como cidades khemeticas (eocracia), impérios africanos (na maioria, monarquias), europeus e outros, com a excepção de Atenas que desenvolveu uma democracia que lhes era favorável. Ou seja, os desfavorecidos, intelectualmente e em influência de poder (sucessão sanguínea), e os pobres sempre estiveram assujeitados aos quereres e leis estabelecidas pelas elites dos variados impérios – alguns justos e outros nem por isso. Em resposta disso, procura-se uma forma de, entre o domínio dos fortes e favorecidos, os pobres e desfavorecidos darem a sua voz nos andares da nação ou país. A democracia diz-se ser liberdades e escolhas, talvez seja essa a simples visão que se tem da democracia, num momento histórico em que se luta, já, por liberdades, como assegura Ngoenha, saímos das independências, agora apontamos as liberdades: essa é a nova forma de luta. O momento mais alto da democracia, onde se dá o poder de escolha, de decidir, e ser livre (uma forma de poder), são as eleições. Escolher quem lhe vai comandar, quem senta no poder, quem dirige o país, é a única coisa em que deram ao pobre e ao fraco poder para falar. Pobre e fraco! A democracia não serve de nada aos fortes e favorecidos, apenas aos fracos, pobres e desfavorecidos. Somente a eles é que faz sentido ter a democracia. Em outras palavras, a democracia, em via de eleições, faz mais bem ao pobre do que aos ricos, dependendo, também, da sua consciência e suas escolhas. Num país de direito democrático, justo e transparente, em que se respeitam as leis, o pobre sai sempre a ganhar com as eleições, pois é o único momento, em cada cinco anos, em que, verdadeiramente, tem algum poder de decidir alguma coisa politicamente (não se faz aqui uma apologia à ganhos económicos, mas ao respeito e ser ouvido). A política, na sua essência, é algo das elites e da classe dominante, mas, com a democracia, os desfavorecidos têm a oportunidade de dar a sua voz e mostrar a sua decisão, por via da eleição, de quem lhe vai governar por mais anos. Até aqui nota-se que ser pobre e não se preocupar com a política é ser um escravo, para sempre, um assujeitado, que não sabe a sua situação. Um pobre que se abstém do voto – ou no momento de votar não usa como deve ser o seu voto para contar de verdade – é, além de ignorante, um que não se preocupa com as preocupações dos outros pobres que lhe rodeiam. O acto de votar não é individual e singular, é onde cada um, individualmente, junta a sua voz entre outros “sem voz” para criar um ruído, uma mudança, uma novidade para os pobres. Um pobre tem a obrigação moral, ética e política de votar – na verdade é a sua finalidade. Um pobre não tem o privilégio de abster-se do voto porquanto se ele não sente, talvez, as injustiças, nada garante, por via da sua profunda pobreza, que a sua família, amigos, comunidade, não sintam as injustiças na pele, e a humilhação. Se por um lado, o voto, para o pobre, deve ser encarado como uma acto de vida ou morte, há regimes que menosprezam esse esforço e usurpam esse direito. Um voto roubado é, também, uma força de usurpar a única forma, legal e democraticamente constituída, em que os pobres, desfavorecidos e os marginalizados têm de exercer o poder, um pouco que seja. O que afirmo é isso: um voto roubado é uma parte do poder colectivo usurpado. Se o voto, a única forma democraticamente constituída para o pobre e desfavorecido exercer o seu poder, um vez em cada cinco anos, é roubado, então não pode ser visto de uma outra forma senão desconsideração e desrespeito para com a vontade, o desejo e o exercício do poder desse desfavorecido. Se não há legislação que reponha o voto roubado, o poder usurpado, então sou a favor da luta, do pobre, para ter o seu poder de volta. Se os tribunais não resolvem esse litígio, esse conflito, essa usurpação de poderes, então algum órgão qualquer deve repor. Se esse órgão não repõe, então o uso dos outros meios possíveis e impossíveis de se ter o poder de volta é, naturalmente, inevitável, também dependendo da fraude consciência em que o usurpado tem do objecto. Se for impossível por via de acordos e referendos, então a desobediência civil liberta-se, a manifestação, a greve, o vandalismo, na penúltima instância, e a violência, na última instância, aparecem, naturalmente. A desobediência é um facto que é natural ao ser humano – se falha na demonstração é por puro medo, e não muito por “humanidade” (uma outra coisa nova). Se as eleições não derrubam ditaduras, o apoio a golpes de estado, ou por via popular ou por militares, é um acto de coragem e bom senso.
Também, é importante notar que a democracia, antes de tudo é um instrumento de governo e de convivência, onde o pobre e o rico, o nobre e o avarento, a fraco e o forte, se cruzam e, de certa forma, se nivelam no digladiar de opiniões e convicções, mentiras e verdades. Nada é perfeito, a democracia é, talvez, a coisa mais suja porque lida mesmo com os imundos da sociedade – a trapaça e a mentira fazem parte desse sistema, do modelo de governo. Olhando por outro lado do comboio, o pobre nada mais pode desejar no universo senão a mudança. O pobre está enfadado a procurar uma alternativa, uma mudança, um novo horizonte – algo que mate o status quo (todo pobre que, sendo consciente, não luta de qualquer contra o status quo é conivente). Ele, o pobre, não é livre para ser uma alternativa, mas é livre para escolher uma alternativa. No final, só tem escolhas. É nesse sentido em que servem as campanhas, um meio de comprar as escolhas das pessoas com juras e promessas, às vezes, com sorrisos. O pobre, na sua essência, só lhe é destinado um único sonho, que é justo: a revolução. Longe disso, é preciso imaginar Craveirinha feliz sendo escravo. Talvez, coisa que vá explicar num outro capítulo, o pobre não precisa ter medo da mudança, da revolução, os ricos, sim. Para que os pobres decidam mudar, há a democracia. Mas, a democracia é, acima de tudo, um caracol, é preguiçosa. A verdadeira democracia cansa fácil, porque, por si só, não tem autonomia e autoridade, diferente do autoritarismo e totalitarismo, com os poderes absolutos; os tribunais, a imprensa, a assembleia, a polícia são instituições onde a democracia está assente, é o poder dessas instituições que faz ela existir, e não no povo. Isso precisa de pratos limpos, a democracia não é um governo, como se bem diz, do povo, é onde o povo governa uma vez em cada cinco ou quatro anos. Se fosse governo do povo – o que é um erro subtil, um equívoco espalhado e difundido para atrapalhar as consciências dos pobres – esse governo teria a manutenção no próprio povo, mas ela conserta-se em assembleias, em tribunais, em conselhos constitucionais, e presidências, nunca no bairro, na estrada com o povo, ou numa barraca. Mas, esses órgãos, são o que arranjam com que o povo entre, nesse modelo, e governem por um dia. Nisso reside toda a razão, se um desses órgãos que sustentam a democracia está comprometido com agendas alheias a democracia, então a democracia toda é comprometida, o tal governo do povo é comprometido. Por isso, a democracia deve ser usada ao máximo para expor as ditaduras. Entretanto, como já havia avançado, ela é lenta. A democracia só pode ser confiável quando as instituições que a suporta são purificadas, são vidros transparentes.
As revoluções e mudanças, para os pobres, só têm dois caminhos, principalmente com as instituições comprometidas e liberdades comprometidas, que é, primeiramente, o uso, ao máximo, da democracia. Numa primeira fase, num estado não democrático (e que mente ser) e que não respeita as leis, só se pode usar a democracia para expor as fragilidades e zonas de penumbras das instituições que regulam a democracia. Numa segunda fase, ocorrerá a purificação. Esse é o estágio mais difícil. Quem irá promover a purificação? O povo não tem esse poder, que é o grupo que mais precisa da democracia. Depois dessas duas fases, começar-se-á uma luta democrática para se derrubar os ditadores e autoritários. Essa é a via pacífica e democrática da mudança e revolução, que é a mais lenta e preguiçosa, que levará gerações e gerações. Também, porque é necessário a conscientização dos pobres – entre pobres, há os que se atraem pelos seus opressores – outros apoiam a manutenção do status quo, no lugar da mudança. Não importa quem quer que seja, a mudança deve ser a única escolha do pobre e do desfavorecido. O ignorante é o que faz tudo da mesma forma e espera resultados diferentes, acho que essa frase atribuída a Einstein diz muito. Isso significa que não acho que um pobre precise de ser de um partido político em específico, ele precisa de mudança e revolução. Em referendos, como já havia dito, é preguiçosa. A segunda via, que é menos pacífica e violenta, é o golpe do estado. Um golpe do estado deixa cair ditadores, e pode trazer Albertos, com o desejo de governar para sempre. Contudo, é um risco a se correr, quando tudo corre mal, para um lado apenas. Com um golpe do estado pode cair, também, a democracia, ou o pouco que há dela, se for um golpe do estado militar. Por isso, a popular é que é a mais viável.
Não se encontra nas utopias e desejos de um ser desfavorecido de bens e finanças a democracia, mas sim a mudança e a revolução. Apenas a isso lhes interessa. A democracia é algo subtil e fina, leve e maleável, qualquer coisa ameaça a democracia, mesmo qualquer desejo de vingança, acaba por ferir a democracia. Ela não é auto-suficiente, diferente de outros modelos. Entre a plebe aparece um que possui pensamentos elevados – um Jesus Cristo que oferece poderes aos fracos e enfermos na cidade – e que lhes dá uma visão democrática, com um questão de fazer movimentos pacíficos para tirar o poder de mãos violentas. As manifestações, historicamente, não são pacíficas. A palavra manifestação isolada, sozinha, sempre pressupõe violência, trata-se de algo intrínseco a ela. Não é uma questão de desejos pessoais e privados, mas coisas de semântica e realidade palpável. Contudo, também noto e sei que a manifestação é, a prior, um acto violento. A violência, já nessa era, não se pode, ou não é apenas olhada numa visão corpo a corpo, como um ring onde há socos por um lado e o outro, ou um campo de guerra onde pessoas trazem canhões de guerra de um lado para o outro. Sair a rua, por si só, com exigências de qualquer natureza já é violento, os cânticos e dísticos não vandalizam infra-estruturas, mas tiram a paz e o bem-estar, exigem mudanças, exercem o poder. Se por um lado, a própria manifestação não é, por si só, um acto pacífico, a polícia também não é uma entidade pacífica, ao de todo, mas ela representa a força repressiva, punitiva e opressiva, em alguns casos. Essas formas de poder que são todas agrupadas numa mesma entidade, a polícia, são violentas. A repressão é um acto violento, a punição e a opressão também. A violência sobe de tom quando a polícia se faz a rua, já com esse pressuposto, com armas de fogo, armadura, gás lacrimogéneo e blindados. Um carro blindado não é nada senão ostentação da força que a polícia tem, o que faz com que, por mais que se tenha em mente uma atitude pacífica por parte da polícia, esse todo aparato já constitui uma ameaça – deve-se concordar, também, que toda ameaça é meia violência, meia luta, meia guerra.
Por Domingos Mucambe