Pronto! Abaixo, em resposta ao convite, compartilho alguns dos livros que gostei de ter lido em 2024:
- O Outro, O Mesmo, de Jorge Luis Borges
Já havia explorado “Esse Ofício do Verso”, uma compilação metódica de sua visão sobre a oficina de escrita. Agora, com “O Outro, O Mesmo”, ele confirma as técnicas que nos apresentou em “Esse Ofício do Verso”, aprofundando-se no exercício da construção de uma imagem poética que transcende o efémero. Este livro é uma obra erudita, repleta de referências mitológicas e simbologias de diversas culturas, especialmente da Grécia. Atento ao panorama literário, estabelece diálogos com renomados escritores da literatura universal. Em um de seus versos, ele afirma: “Eu fui Walt Whitman”. Em “O Outro, O Mesmo”, encontramos um poeta que é universalmente filosófico, reverente à obra de Deus, e possuidor de uma variedade de fórmulas para a construção de metáforas.
- Albas, de Sebastião Alba
Esta é uma colecção de cartas, poemas, fragmentos e até rascunhos de Sebastião Albas, “um dos grandiosos deuses humildes da palavra”, de acordo com José Craveirinha. Um livro póstumo que revela o íntimo do poeta, desnudando sua alma de pai, irmão e amigo diante do mundo. Neste trabalho, se confirma a sua visão sobre o panorama literário global e a profunda convicção de que toda a sua vida foi, de facto, poesia.
- Intervalos de Demência, de Jeconias Mocumbe
Uma das características mais intrigantes das obras de Jeconias é que cada livro se apresenta como um experimento de irreverência literária. Neste volume específico, o autor se revela um poeta que não apenas demonstra uma consciência aguçada das técnicas de escrita, mas também adopta uma abordagem minimalista em sua composição. Além do que o título “Demência” sugere, ao percorrer esta obra, percebe-se que ela se configura como um verdadeiro cosmos de sons, lugares, pessoas e tempo.
- Instruções para Uso Posterior ao Naufrágio, de José Luiz Tavares
Conheci o poeta cabo-verdiano José Luiz Tavares em Óbidos, Portugal, em 2021. Ele ofereceu-me dois de seus livros: “Instruções para Uso Posterior ao Naufrágio” e “Rua Antes do Céu”. Ambos revelam um alto rigor poético, que parece mais uma faca esculpida em pedra, manualmente.
Em “Instruções para Uso Posterior ao Naufrágio”, Tavares se apresenta como um poeta de gruta, ou talvez de uma montanha silenciosa, sem ruído que interfira no seu labor criativo. Em 2018, este livro foi agraciado com o Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura. O mesmo destaca-se pela atenção meticulosa à métrica e pela reconstrução de fórmulas linguísticas. Tavares combina técnicas clássicas com uma visão contemporânea, proporcionando uma resinificação profunda das imagens que evoca.
- Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa, Organização: Maria Alberta Menéres e E. M. De Melo e Castro
Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa, organizada por Maria Alberta Menéres e E. M. De Melo e Castro, é uma colectânea que reúne poemas de poetas contemporâneos portugueses. Este livro é a representação da diversidade e da riqueza da produção poética em Portugal.
A obra inclui poetas que exploram temas variados, desde questões sociais e políticas até reflexões mais íntimas e existenciais, utilizando diferentes formas e linguagens, tais como: Alberto de Lacerda, Alexandre O’Neill, Alexandre Pinheiro Torres, Casimiro de Brito, David Mourão-Ferreira, Eduíno de Jesus, Egito Gonçalves, Fiama Hasse Pais Brandão, Goulart Nogueira, Herberto Hélder, Liberto Cruz. Manuel de Castro, M. S. Lourenço, Orlando da Costa, Papiniano Carlos, Pedro Tamen, Ruy Belo, Sebastião da Gama e Vitor Matos e Sá.
É uma antologia que pode servir como um ponto de partida para quem deseja conhecer a poesia contemporânea de Portugal, e igualmente, é um registo importante da evolução da literatura portuguesa.
Os livros “O descalço [dos] murmúrios”, de Gibson João, e “Incêndios à margem do sono”, de Óscar Fanheiro, são verdadeiras preciosidades da poesia moçambicana, ambos laureados na 5.ª edição do Prémio Literário Fernando Leite Couto. As obras de cada autor reflectem uma concepção quase religiosa do desassossego, onde suas imagens se transformam em barcos que nos transportam para as complexidades da vida, da morte, da linguagem e das intersecções com outros textos poéticos.
Gibson João, nascido em Inharrime, Inhambane, traz uma textura campestre à sua escrita. Seus versos evocam tanto a angústia quanto a beleza do quotidiano, estabelecendo um diálogo íntimo com a solidão. O desassossego que permeia sua poesia é uma busca por algo indefinido, uma jornada que ressoa na repetição de “espelho – sangue – espelhos”. Nessa exploração, a noite é expressa e a casa é dissecada até que se torne “ruína: óbito: silêncio”, revelando a fragilidade da existência.
Por outro lado, “Incêndios à margem do sono”, de Óscar Fanheiro, natural de Maputo, mergulha em um universo mais introspectivo e melancólico. Seus poemas tecem diálogos com outros poetas, criando uma rica tapeçaria intertextual que intensifica o sentimento de perda. A constante evocação do vazio pela ausência de alguém transforma sua obra em um espaço onde a saudade se torna tangível. Cada poema é como uma conversa íntima com o fantasma dessa presença perdida, convidando o leitor a explorar os labirintos da memória e da dor.
- O Medo, de Al Berto
Esta colectânea reúne poemas de Al Berto, um poeta cuja escrita sensível e singular mergulha em temas humanos, quase orgânicos. É evidente uma linguagem rica e cuidadosa, onde cada poema se transforma em um convite à introspecção. Sua habilidade de transmutar o quotidiano angustiante em sombra leve é uma marca indelével de sua obra, proporcionando assim uma reflexão profunda sobre a vulnerabilidade e a beleza da condição humana. Abaixo o poema SIDA extraído do livro que é algo para raspar a língua: “aqueles que têm nome e nos telefonam/ um dia emagrecem ㅡ partem/ deixam-nos dobrados ao abandono/ no interior duma dor inútil muda/ e voraz// arquivamos o amor no abismo do tempo/ e para lá da pele negra do desgosto/ pressentimos vivo/ o passageiro ardente das areias ㅡ o viajante/ que irradia um cheiro a violetas nocturnas// acendemos então uma labareda nos dedos/ acordamos trémulos confusos ㅡ a mão queimada/ junto ao coração// e mais nada se move na centrifugação/ dos segundos ㅡ tudo nos falta// nem a vida nem o que dela resta nos consola/ a ausência fulgura na aurora das manhãs/ e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos/ o rumor do corpo a encher-se de mágoa// assim guardamos as nuvens breves os gestos/ os invernos o repouso a sonolência/o vento”
- Poemas, de Wislawa Szymborska
“Poemas” é uma colectânea da poeta polonesa Wisława Szymborska, Prémio Nobel de Literatura em 1996. Este livro é permeado por uma simplicidade profunda que reflecte sobre as complexidades do século XX. Szymborska, que parece ter-se encontrado com a essência da poesia e, ao mesmo tempo, ter experimentado a desilusão, busca expressar apenas os aspectos essenciais da vida com uma contundência fascinante. “Poemas” é uma porta para aqueles que desejam apreciar a obra desta artista que acredita que “todas as coisas são políticas” e a “sabedoria não é alegre”. Neste livro, há um palco onde a maturidade poética se entrelaça com a filosofia, afastando-se de qualquer cegueira hermética.
Desejo um bom 2025!
Por Otildo Guido