Alguns romances – que pela sua excelência se confundem com perfeição – são moldados através de ferramentas propícias de manipulação ficcional. Tais ferramentas, sobejamente teorizadas em manuais de narratologia, apresentam-se como condimentos para a ornamentação de o que se narra e problematiza.
Entre tais ferramentas, destacam-se, por exemplo, o Tempo e o Personagem. Jonathan Franzen, entretanto, tem sabido construir romances que se mostram indiferentes à “manipulação tendenciosa” do Tempo e do Personagem. Isto é bastante impressionante; como é que o homem tem conseguido construir romances “perfeitos” sem grandes manipulações?, questiono-me, e enfrento dificuldade para achar respostas, embora admita que o escritor, realmente, tem sabido construir peças complexas e profundas, com habilidades singulares de consumir o leitor.
Neste denominado “Liberdade”, Franzen prova aos leitores e à crítica que é um “Grande Romancista Americano”, que se pretende eternizar ao lado de, por exemplo, Mark Twain, Scott Fitzgerald ou Philip Roth. A sua ambição em querer constar da lista dos “grandes” data desde o ano 2001, aquando da publicação de “Correções”, um outro magnífico romance que lhe possibilitara receber o National Book Award e o James Tait Black Memorial Prize 2022.
Jonathan é mestre em esboçar romances familiares. Fê-lo em “Correções” e repetiu-o, com perfeição, em “Liberdade”. A complexidade “nociva” do romance familiar reside na confusão que este causa ao leitor, sobretudo ao menos atento, que se pode debater com nomes, confundir apelidos, gerações e contextos. Franzen, entretanto, consegue cruzar tudo isto sem causar confusões, porque escreve com sensatez e honestidade, “sem grandes manipulações tendenciosas.”
Em “Liberdade”, logo às primeiras páginas, o leitor transforma-se em “Berglund Expert”, ou seja, o leitor simpatiza com os Berglund, ciente que os integrantes desta família são fios condutores da magnífica narrativa que praticamente vai até à página 700.
A família Berglund é, sem dúvidas, um protótipo daqueles que vivem e sentem na pele o “American Dream”, classe média estável, alfabetizada em universidades públicas, trabalho árduo, uma residência condigna, algum dinheiro no banco e prosperidade sempre à vista. Patty e Walter, os grandes protagonistas, fazem-se acompanhar por Richard Katz, o controverso e Vigarista Músico Hippie Destruidor de Famílias.
Um fio de amizade entre estes leva-nos à ternura, e faz-nos questionar: fará sentido amar ou relegar/ amar ou ser amado/ viver ou morrer, ser honesto ou falso?
Franzen, com recurso a uma escrita que embrulha o leitor, também filosofa sobre o ecossistema, em busca de respostas para os actuais problemas ambientais, tendo os pássaros como pitada mágica. Walter – advogado ambientalista – reflecte também sobre a taxa de natalidade, trazendo ao debate as estatísticas do Clube de Roma.
Neste romance, observamos uma escrita livre e directa, sem artimanhas famigeradas por aqueles que forçosamente pretendem ser estudados e canonizados. Este é o tipo de livro que, nalgum lugar da nossa vida, precisamos de ler para descobrir o sentido do amor, não o seu conceito. Ao fim da leitura, concordamos que estamos perante uma escrita livre, um livro livre sobre a liberdade.
Por Albert Dalela