Se gosto de ler, eu leio tudo. Eu leio o céu nublado, leio nuvens formando imagens no azul do céu, leio colinas e montanhas, leio o sol e o girassol, leio o sorriso de uma criança, leio a dor de uma mãe, leio a frustração de um jovem desempregado, leio o semblante de uma mulher apaixonada, leio o voo das aves, leio tudo e até livros de vários domínios do conhecimento. Este último tipo de leitura é que me interessa, neste exacto momento. A leitura do texto verbal por meio do instrumento da arte literária: a palavra. Importa realçar que no ano de 2024 li 41 livros. Muito pouco, não é? Na maior parte, livros infantis, para explorar deles arquétipos de escrita. Todavia, destas obras que li, partilho 11 títulos que mais me marcaram.
- O marido das sombras, de Suzana Espada
O romance em alusão reflecte o modo como o povo ndau ultrapassa os seus problemas espirituais. Ao ler esse livro pode-se fazer uma relação de intertextualidade com Vozes Anoitecidas, de Mia Couto, sobretudo quanto à questão do misticismo e ao uso da linguagem coloquial. Um romance dialógico e com brincriação nos nomes dos personagens, criando momentos hilariantes na diegese. A autora explora a questão da tradição ndau com muita propriedade, cruzando a literatura, a antropologia e a sociologia numa e única obra literária.
Livro que me foi emprestado por um amigo, li-o e reli-o com muito gosto e prazer. A poesia, desde o século XVIII, privilegia muito a questão da Linguagem. Este poeta trabalha com mestria a linguagem, traz metáforas mais ricas e algumas imagens sublimes. A poesia é e deve ser somente, por excelência, bela. E incêndios à margem do sono alcança o ponto mais alto da estética. A extensão da emoção da palavra é subtil. Poetas complementares estão Gibson João, Hirondina Joshua, Otildo Justino Guido, Mbate Pedro, Álvaro Fausto, entre outros.
- Somos a primeira pessoa do plural, de José Luís Peixoto
São textos próximos da crónica e relacionados com Moçambique. Nasceram de visitas anteriores e das maravilhosas experiências que este autor teve no nosso belo país. Peixoto, quem eu considero o futuro Prémio Camões, continua trazendo nessa obra sua escrita sólida e enraizada, com uma forma linda e peculiar de dar a conhecer os factos.
- O gato e o escuro, de Mia Couto
Este autor que considero mais poeta nos livros de prosa, também escreve para crianças. Com esse livro, Mia Couto ensina-nos que o escuro não é um lugar assustador, como as pessoas tanto imaginam. E eu acabo concordando. Quantas pessoas, durante a noite, fogem de bandidos e se escondem na escuridão para não serem vistas? Nas noites, quantos homens vão ao encontro das namoradas e, na hora da despedida, beijam-se na escuridão? A escuridão acaba sendo uma espécie de protecção e aconchego. O gato e o escuro é isto: o abrigo. É esta imagem que Mia passa às crianças e que mexe comigo: é preciso acreditar que o escuro pode ser, também, uma redenção para as pessoas.
- Deixa-me escrever-te, de Timóteo Papel
Com uma poesia narrativizante, na sua maioria, este poeta recupera temáticas de todos os tempos (o amor, a dor, a saudade/nostalgia, etc.), mas muito predominante no Classicismo. A temática do amor, por exemplo, é explorada nesse livro em forma de salmos à sua amada. A poesia trovadoresca acaba colorindo essa obra poética, envolvendo muita dilecção e sofrimento amoroso.
- Sina de Aruanda, de Virgília Ferrão
Numa altura em que reclamamos a ausência, participação e contribuição da mulher na Literatura Moçambicana — vivendo a ostentar nomes como Noémia de Sousa, Paulina Chiziane e Lília Momplé —, surge Virgília Ferrão com a sua prosa intrínseca e experimentalista. O enredo é comovente e envolvente, mas é mais espectacular iniciar cada capítulo com uma evocação temporal — tendência muito familiar em filmes de ficção, como “De volta para o futuro”, carregado de viagens no tempo. Um romance que se pode muito bem aproximar a literatura do cinema.
- O comboio que andava de chinelos, de Pedro Pereira Lopes
Se eu dissesse que este autor é uma das melhores vozes da Literatura Infanto-juvenil em Moçambique, isso não seria escândalo nem hipérbole. Pedro Pereira Lopes é um orgulho que nós temos. A obra que elenco aqui traz aquilo que as crianças gostam nas historinhas infantis: coisas mágicas e que levam à fantasia. O título do livro já é mágico. Toda criança deverá se perguntar: como é possível um comboio andar de chinelos? E é isso que se quer: pôr a criança a fazer perguntas inocentes. Esse livro de poesia infantil carrega versos provocadores e convidativos, com uma linguagem acessível para o seu público-leitor.
- Lituma nos Andes, de Mario Vargas Llosa
Gosto de escritores que retratam sobre realidades do seu país. Este autor peruano, Nobel da Literatura 2010, é exemplo disso. Lituma nos Andes relata o drama real das comunidades peruanas, nos anos 80, reféns da organização paramilitar de esquerda, e as dúvidas pessoais dos personagens cruzam-se durante todo o romance. É um dos realismos mais profundos que já vi, com uma das mais ferozes críticas à violência estrutural que afectou Peru durante tantas décadas. Sua escrita é fantástica, muito fantástica!
- Mayombe, de Pepetela
Ler Terra Sonâmbula, de Mia Couto, e ler esse livro de Pepetela, sente-se o engajamento que se tinha da parte dos escritores e o orgulho de pertença patriótica. O romance Mayombe aproxima-se de um texto documental ou de reportagem. Isso porque Pepetela nos apresenta as lutas entre os guerrilheiros angolanos e as tropas portuguesas durante a libertação do país. O autor do livro ressalta a dificuldade dos guerrilheiros, enfatizando as diferenças e as rivalidades entre as tribos. A narração está na terceira pessoa, por um narrador omnisciente, que pode ser considerado o narrador principal do enredo.
- Estórias trazidas pela ventania, de Adelino Albano Luís
Com uma escrita muitíssimo simples, também coloquial, o livro retrata sobre diversos acontecimentos de natureza social e privada. Com 25 contos, igual idade que tinha na altura em que escreveu essa obra, Adelino Albano Luís pinta seu livro com uma excelente riqueza temática, versatilidade linguística e uma consistente construção dos contos. Por ser um bom discípulo, dedicou um conto em homenagem ao seu mestre Mia Couto.
- Quantas estrelas tem o céu?, de Vânia Óscar
Esta é a pergunta de todos nós, sobretudo das crianças: quantas estrelas tem o céu? A autora coloca uma menina como personagem que procura por respostas que todos queremos saber. Um livro simples e lindo, com combinações entre o texto verbal (de Vânia Óscar) e o texto imagético (ilustrações de Walter Zand).
Estas são as minhas 11 leituras que muito amei, das várias que fiz. De todos os livros que li, há que se sublinhar, também, o livro de Paulo Wache intitulado “Geopolítica: Teorias, Doutrinas e Factores” — um livro que nos merece ler nestes tempos difíceis que Moçambique vive, a Geopolítica — que tem o objectivo de interpretar a realidade global e envolve o estudo de guerras, conflitos, disputas ideológicas e territoriais, questões políticas, acordos internacionais, etc. Espero que estas leituras instiguem a cada um de vocês!
Um forte abraço,
Por João Baptista
(JB)