A noção de 1+1=2 pode hoje parecer um tanto trivial. No entanto, Alfred North Whitehead e Bertrand Russel precisaram de três anos para escrever um livro de três volumes (Principia Mathematica), com cerca de 2000 páginas totais, para demonstrar que, de facto, 1+1=2. Essa noção ultrapassa os limites da Aritmética e perpassa pela Lógica, Epistemologia, Linguagem, etc. Para compreender a complexidade do assunto, desde a superfície à profundidade, passo a apresentar três breves perspectivas sobre a experiência de 1+1=2.
- Um estudo básico dos Fundamentos da Matemática é suficiente para saber que 1+1=2 não é, necessariamente, uma verdade óbvia por si mesma, embora o Senso Comum assim o possa conceber. Há sérias diferenças epistemológicas em ter uma experiência de que 1+1=2, ter uma experiência de que é verdade que 1+1=2 e ter uma experiência de que pode ser verdade que 1+1=2.
- No caso primeiro, o de ter uma experiência de 1+1=2, não há – pelo menos não necessariamente – nenhuma evidência que fundamente a afirmação de tal experiência como um conhecimento verdadeiro.
- No caso segundo, o de ter uma experiência de que é verdade que 1+1=2, sugere-se que há uma evidência que assegure a afirmação de tal experiência como verdadeira.
- No caso terceiro, o de ter uma experiência de que pode ser verdade que 1+1=2, presume-se que seja verdadeira tal experiência, a considerar as circunstâncias existentes, mas abre-se espaço para outras alternativas possíveis, que podem ser distintas das condições iniciais.
- O caso primeiro é uma expressão de Crédito que representa um contacto com a alegação, pois limita-se em ser experiência consideravelmente factual que pode ter sido deduzida a partir de outras premissas já conhecidas. Assim se costuma pensar no Senso Comum!
- O caso segundo representa uma Certeza, posto que a experiência relatada está comprovada como verdadeira. É como quando, numa turma, o professor demonstra o porquê de 1+1 ser igual a 2, dá o conceito de unidade e explica como se chega a tal convenção (afinal, por que dizemos 2 e não 1,9999999…?). Assim se costuma pensar na Ciência!
- O caso terceiro representa uma dúvida, uma necessidade de Clareza. Tem-se a experiência como verdadeira, mas não se descarta a possibilidade de esta revelar-se falsa em outras circunstâncias (ou mundos possíveis). É então que começa a busca pela verdade última, diversa ou variável sobre tal experiência. Assim se costuma pensar na Filosofia!
- A proposição 1+1=2 revela-se verdadeira somente dentro de uma Escala de Grandezas. Já numa Escala Vetorial, pode assumir qualquer valor entre 0 e 2. Ademais, sabemos que, em Matemática, o 2 é uma aproximação: entre 1 e 2 há infinitos números. O paradoxo é que esses infinitos valores podem compor, no fim, um número finito. Há, em Matemática, infinitos maiores que outros infinitos — e mesmo o 2, após a vírgula do 1, nunca é plenamente alcançado.
- Observe-se então que ter a experiência de que é verdade que 1+1=2 implica passar pelo processo de dedução lógica de axiomas para considerar a proposição 1+1=2 e esta revelar-se verdadeira, o que tal exercício demonstra é que 1+1=2, e isso, em termos epistemológicos, difere-se de simplesmente ter a experiência de que 1+1=2 ou ter a experiência de que pode ser verdade que 1+1=2.
- A experiência de 1+1=2 não é aqui apenas uma equação elementar. É também uma figuração da própria condição humana diante da verdade: entre o que damos Crédito, o que temos Certeza e o que buscamos Clareza. O Senso Comum vive da experiência imediata, a Ciência, da verificação rigorosa, e a Filosofia, da dúvida fértil que interroga até o óbvio. O simples exercício de somar demonstra que, afinal, nenhum saber é simples. Que mesmo o dois, antes de ser número, é construção, hipótese, caminho — e que pensar é, se calhar, o maior valor da conta.
— Ericson Sembuer