Há horas afastaram-se os ponteiros de 2024. Com ele foram-se as coisas boas e más que nos aconteceram. Se há saudades, são as do bem que lá houve e que rememoraremos. Em meio aos meus dias turbulentos pude, porque não sei estar no mundo sem os livros, ler. Foram no total 32 livros que li, dentre autores nacionais a estrangeiros. Gostava de partilhar com os meus amigos as 10 leituras que me foram mais impactantes, quiçá sirva de recomendação para futuras leituras.
- como um levita à sombra dos altares – Hirondina Joshua
“como um levita à sombra dos altares” (Húmus, 2021), de Hirondina Joshua – Moçambique. É um livro de microcontos que me foi bastante impactante a sua leitura. Gostei da forma como a poesia, que é o domus de onde Hirondina radica, e a narrativa baseada nas experiências de sua moçambicanidade e olhar feminil se encontraram e originaram contos que, quando não se esquecem do gnarus e de toda a técnica do conto, tornam-se um poema surreal mas narrativizante.
- Resistir a Abadon – Severino Ngoenha
“Resistir a Abadon” (Paulinas, 2017), de Severino Ngoenha – Moçambique. É um livro de ensaios filosóficos sobre a violência, a guerra e a conaturalização do mal nos nossos tempos. Ngoenha traça neste livro uma espécie de mapa dos fundamentos da violência. Problematiza, com base nas ideias de pensadores clássicos da política, como é o caso de Maquiavel, a partir de sua defesa do carácter maligno do Homem, ou de sua prática do bem tão-só quando lhe convém. É um livro escrito numa linguagem leve sem ser leviana, chegando a propor alternativas dialógicas à construção de um tratado de paz duradoira, não só na história política de Moçambique mas também do mundo.
- A metamorfose – Franz Kafka
“A metamorfose” (Publicações Europa-América), de Franz Kafka – Praga. É uma novela dilacerante, que me gerou bastante angústia ao (re)ler, pelo facto de me ver a acompanhar a trajectória de um personagem (Gregor Samsa), que sabe lá por que razão acorda metamorfoseado num insecto gigante. Daí, a vida do pai, da mãe e da irmã, que eram dependentes de si, pelo trabalho de vendedor ambulante (caixeiro viajante) que ele tinha, são alteradas na totalidade. Ele é obrigado a ficar confinado no seu quarto como uma besta, o pai, de idade, é obrigado a voltar a trabalhar e a irmã, que era uma agente passiva nas relações familiares passa para uma posição activa, tendo também que laborar. O terrível da vida de Samsa é que em todo o seu trajecto não se mostra alguma alternativa viável de que ele possa voltar a ser como era, é o que lhe causa angústia e acaba morrendo porque o seu mundo, que era fundamentado no seu trabalho e no valor que seus pais e irmã lhe davam porque era provedor, metamorfoseia-se, caindo ele numa crise existencial. Diria mais, há muitos aspectos a analisar da novela de Kafka, mas limitarei os dizeres para que não estrague a vontade de ler de quem nunca tenha lido esse autor.
“Mutiladas” (Catalogus, 2024), de Eduardo Quive – Moçambique. É um livro de contos, com quase 100 páginas. Os temas e abordagens dos contos têm como mote as diversas faces da violência no nosso quotidiano. É um livro que adentrar os espaços idílicos e públicos, demonstrando as formas como a violência, o crime, as mortes e a banalização do mal nos afectam e nos moldam num ciclo de perpetuação da violência de uns para com os outros. Os personagens de Quive são próximos a nós, somos nós, têm rostos, têm, alguns, o nosso rosto, mas são homens bestas, ou bestas no lugar do homem.
- “Para uma cartografia da noite” e outras obras de Álvaro Taruma
“Para uma cartografia da noite” (Literatas, 2016), “Recolher obrigatório do coração” (Alcance, 2022) e “Criação do fogo” (Alcance, 2023), de Álvaro Fausto Taruma – Moçambique. A condição poética que atravessa os livros de Taruma é quase corriqueira, quase lugar-comum no mundo criativo do poeta, os 3 livros lidos encontram nos traumas e nas feridas do dia-a-dia a possibilidade de fazer arte. Queria dizer que a poesia de Taruma é triste, mas não é, triste é a condição humana e ela plasma isso em tópicos como o as perdas, a violência simbólica, mas também levanta o amor como o panfleto alternativo e único para viver diante dos escombros de um quotidiano cujo fogo extinguiu as réstias de humanidade nos Homens.
- 6. Os cadernos de Dom Rigoberto – Mario Vargas Llosa
“Os cadernos de Dom Rigoberto” (Biblioteca Sábado, 2010), de Mario Vargas Llosa – Peru. É um romance quase erótico quase obsceno cuja riqueza de informações, a história de vida das personagens, o universo criado e vivido, a história, a poesia, a cultura humana com que dialoga, esmiuçados com uma técnica quase ensaística, resultam em um livro cuja técnica e linguagem refinada legitimam Llosa como um dos grandes nomes da literatura.
- “As asas do medo” – Paco López Diago
“As asas do medo” (Alfabeto, 2011), de Paco López Diago – Itália. É um romance que percorre a história de vida de 4 amigos, desde a infância até à velhice. É um livro rico em termos de técnica, cujo autor mostra o domínio do minimalismo nos cenários que descreve e, principalmente, enriquecidos o uso da técnica de moldura, onde passado (infância) e presente (velhice) entrelaçam-se. O romance é quase de tese, culmina com o canto da amizade e dos amigos como a única experiência pela qual se deve morrer, pois tal nos mostram os personagens que, tendo jurado jamais se separar na infância, morreriam juntos, abdicando uma vida de luxúria, modorra e de dores trazidas pela idade.
- Novos contos da montanha – Miguel Torga
“Novos contos da montanha” (Coimbra, 1984), de Miguel Torga – Portugal. Conforme o título já nos lança aos olhos, o livro é de contos. São contos escritos com a alma de Trás-os-Montes, em que a lazeira, o ambiente campestre, os alagados esteiros, os penedos, os personagens miseráveis, a religião entranhada à alma portuguesa, aparecem a destacar-se nos contos. Torga legitima-se, neste livro, como o cronista de seu tempo, de sua gente, onde quando os contos nos soam muitas vezes toscos, não está aí ausente o pitoresco transmontano, pois mostram-se quadro universal do purgatório em que um Portugal hoje desmemorado vive.
9.Asas partidas – Khalil Gibran
“Asas partidas” (Record, pdf), de Khalil Gibran – Líbano. É um romance de amor, sobre as dores do amor, sobre as pedras que ele coloca no caminho de um par de jovens que sonham em casar e viver juntos, mas que os parentes, os seus preconceitos, as divisões do Líbano (é um romance ambientado na sua cultura e hábitos de seu país) em sistema de castas, onde os ricos casam entre si e os pobres são votados quase à inexistência.
- Aldeia de Pedra – Xiaolu Guo
“Aldeia de Pedra” (Quetzal, 2004), de Xiaolu Guo – China. É um romance de época, de história, de espaço, onde a vida dura na costa da China é evocada, em que os tufões e as mortes no mar são frequentes. É um romance que conserva e preserva a cultura chinesa, os seus provérbios e tabus, mas é também, principalmente, um romance sobre a denúncia, sobre a luta de uma rapariga que é votada ao silêncio diante da solidão e da vergonha de ter sido violada.
01.01.2025
2 comentários
Uau… inspirador
Atiçou a gula!