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Breves notas sobre “A Legítima Dor da Dona Sebastião”, de Lucílio Manjate

Por que é que o escritível (aquilo que hoje pode ser escrito) é o nosso valor? Porque o que está em jogo no trabalho literário (na literatura como trabalho) é fazer do leitor, não já um consumidor mas um produtor do texto. As palavras de Roland Barthes, citadas por Noa (1998), reflectem-se na escrita de Lucílio Manjate, na obra “A Legítima Dor Da Dona Sebastião”, concebida em pouco mais de cento e cinco páginas (105), que esteve sob chancela da Alcance Editores, na sua 2ª edição em 2022.

Trata-se de um escritor que faz o uso do que leu, para compor as suas narrativas. Mas antes, conheçamos o autor em questão. Lucílio Manjate é autor de várias obras, para além da já acima referenciada como “Rabhia” (2019), através da qual ganhou a primeira edição do prémio Eduardo Costely-White; A Triste História de Barcolino, o homem que não sabia morrer (2017); O Jovem Caçador e a Velha Dentuça (2016). É, também, vencedor do importante prémio 10 de Novembro (2010) e do prémio Revelação Telecomunicações de Moçambique (2006).

A Legítima Dor da Dona Sebastião é um livro que trás ao de cima questões sociais de várias ordens, por via de um enredo policial assumido pelo investigador Sthoe. Um agente instigante na literatura moçambicana. Desta forma, aqui, predomina uma abordagem correspondente ao que Regina Zilberman chama de Cor Local, que, só é conseguida através de um bom toque de imaginação; o que se pode notar nas passagens desta novela:

“Emboscava os passos de Joana Tai no Bairro do Nhambankulu, à saída da fábrica, e falava-lhe do casebre humilde mas confortável, no Bairro Xinhambanine, então triste e abandonado. Pp. 47 E, “[…] e ofertar-lhe um broche, pagar-lhe doces na calçada da Missão São José de Hlanguene, afagar-lhe as mãos e, novamente, falar-lhe de amor […]. Pp 48.

Manjate percorre territórios que fazem parte e específicos de Maputo, Moçambique, o que torna a sua literatura típica e nacional.

Esta é uma obra na qual predomina o espaço urbano, representado, por exemplo, pelas barracas de Museu, pelas idas ao Cinema Gil Vicente. Ou à Feira Internacional de Moçambique, baixa da cidade; a Avenida Mártires da Machava  (pp. 69, 70 e 85). Pelo que, quem lê a presente novela e “Rabhia” visualiza a cidade de Maputo sem mesmo sair de casa; o mais incrível ainda, é visualizar os espaços referidos nos livros e ter a possibilidade de tocá-los no mundo real. Facto que nos remete ao que Aristóteles chama de verosimilhança.

Além disso, como dissemos anteriormente, o escritor faz o uso de leituras individuais para escrever o que lhe inquieta, através das quais, faz-nos conhecer outros autores como é o caso se Eugeniusz Rzewuski, do núcleo de Estudos de Línguas Moçambicans. Assim, por via deste, o leitor poderá conhecer o tratamento das línguas nacionais no Moçambique pós-colonial. (pp. 24). Ademais, é possível notar o título de Ungulani Ba Ka Khosa (pp. 30); Conan Doyle, os jornais Tempo e O Cruzeiro. Por causa disso, podemos afirmar que Manjate, é um bom apreciador de cinema como justifica o excerto:

“Presos num John Rambo que mata a todos para não morrer no ardil dos homens ou num Comando que extermina o mundo para resgatar a filha de Jenny, que obviamente amam. […] como o Gotcha, o Fantastic andam por aí endemoninhados […]” (pp31).

Terminamos, por um lado, por referir que a leitura desta obra exige, para melhor compreensão, um leitor informado. Aquele que já tenha lido parte dos livros aqui mencionados e ou/ visto os filmes dos actores apresentados. Por outro, consideramos um convite para aderir às matérias literárias, bem como às cinematográficas. Sem contar, claro, com uma discussão bastante interessante que acontece sobre as línguas nacionais que se vai desenrolando nos personagens da novela.

“Um poeta não muda o mundo. Mas o mundo muda um poeta.” Lucílio Manjate.

 

MANJATE, Lucílio (2022) A Legítima Dor da Dona Sebastião. Maputo: Alcance editores.

NOA, Francisco (1998) A Escrita Infinita. Maputo: Livraria Universitária.

ZILBERMAN, Regina (2014) Cor Local e História da literatura. Brasil: Revista de literatura e diversidade cultural.

Por Gil Cossa

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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