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15 Excertos de “Névoa na Sala”, de Mélio Tinga

 

Névoa na Sala, o mais recente de Mélio Tinga, conduz-nos por um labirinto de emoções, onde três personagens lidam com os fantasmas do passado em um cenário que mistura guerra e várias outros fenómenos que apoquentam o homem enquanto um ser biopsicossociocultural.

Usando a técnica da corrente de consciência, o autor dá voz às experiências traumáticas e interiores de cada personagem, revelando marcas profundas deixadas pela guerra e por outras fenómenos sociais.

Este post reúne 15 excertos que capturam um pouco da essência deste romance. 

  1. […] a imaginação tem ainda mais força do que os olhos.

 

  1. Penso constantemente na conveniência da morte, na morte humana que é a que mais me dói, e só penso. Substituição inevitável da espécie. Transição para um universo incógnito, de onde nunca haveremos de regressar para dar testemunho. Ou apagão, todo o fim na vida, nada mais, nenhuma vaidade, nenhum inferno, nenhum paraíso.

 

  1. Segurei na mão dela com medo de cair. De cair para um lugar inexistente. Não se cai para depois da terra. O medo de tombar, vivo. Andava a perseguir-me a sensação de que haveria de tombar, para algum lugar oco, para o som misterioso da noite, para as mãos invisíveis do universo, para o mesmo lugar onde Analiza caíra. Segurei-me na mão de Lili. Disse que a amava, acima dos céus e da terra.

– Sabes o que há depois dos céus – ela, singular.

– Depois dos céus existe o tempo infinito e o vazio.

– E o teu amor está acima dos céus…

– E da terra.

– Do tempo infinito e do vazio…

 

  1. O amor cura-nos, de algum modo, pensava. O amor tem sempre dois caminhos; num, tem a força da cura para os tormentos da vida, noutro, o amor tem o vigor rancoroso das doenças cardíacas, adoece o corpo, rói e destrói os ossos, até que ao fim de tudo, sejamos apenas massa branca, poeira que ascende ao céu com a pouca força do vento brando.

 

  1. A beleza nunca é fútil, Lili. A beleza é o idioma que nos alimenta.

 

  1. – O que é uma amiga?

– É aquela pessoa que nos olha e sorri, nos ajuda a carregar a dor que temos no peito.

– E o que mais Lili, diz o que mais?

– E nos abraça quando precisamos.

– Mesmo quando fedemos?

 

  1. Descobre-se o amor nas coisas ínfimas, em seres excêntricos, que se comportam de um modo que eles mesmos nunca sabem explicar.

 

  1. […] não se queima a casa toda por causa de uma cobra.

 

  1. A dor do amor corre na mesma pista e com a mesma violência que a dor do luto.

 

  1. E a vida, a vida real não precisa ser explicada em laboratórios, a vida real não precisa de grandes formulações teóricas Como pode ser explicada a origem de uma coisa tão pequena e tão vital como um batimento cardíaco?

 

  1. Aprecio a poesia como aprecio as flores que brotam nas manhãs de Inverno. Sei que olhas para as flores como olhas para os astros no céu, e confesso, nunca entendi. Sentar-se no corredor, olhar para o céu e pensar que tudo é aquilo, quando não é, quando é um engano.

 

  1.  O frio é uma invenção do corpo para que haja contradição. A vida precisa de sentidos opostos; homem – mulher, vida – morte, amor – ódio, esquerda – direita, cima – baixo, magro – gordo. A vida é construída nessa lógica eternamente grudada na dualidade, o sentido dela atravessa todos caminhos e se retém, sempre, em dois, o primeiro número par.

 

  1. […] a felicidade é uma forma de luta contra qualquer coisa que está sempre contra.

 

  1. […] imaginação funciona melhor quando os olhos não podem ver o que está fora, por isso que quando se faz sexo fecha-se os olhos, para alimentar a imaginação e dar gozo ao corpo, o sexo é, por uma actividade imaginativa.

 

  1. A lua, nesta noite, era um papel recortado por dedos, irregular e trémulo. Trémulo estava também o meu corpo, em oração; para que o tempo passasse depressa e para que o médico tivesse notado que o tratamento surtira efeito e já estava na hora de ir-me embora daquele lugar.

Sobre Mélio Tinga

15 Excertos de “Névoa na Sala”, de Mélio Tinga
Adelium Castelo

MÉLIO TINGA escritor de ficção e designer de comunicação. É autor de oito livros, entre os quais Marizza, sua estreia no romance, obra vencedora do Prémio Literário Imprensa-Nacional Casa da Moeda/ Eugénio Lisboa 2020. Para além de Moçambique, seus livros estão também publicados em Portugal e no Brasil.

Foi vencedor da Residência Literária em Lisboa 2023 e distinguido com o Prémio das Indústrias Culturais e Criativas (PREICC) 2023, pelo Ministério da Cultura e Turismo. Venceu o BLOG4DEV 2021 do Banco Mundial e foi finalista do Prémio Literário 10 de Novembro 2019. Recentemente foi selecionado para bolsa “AléVini”, um programa para apoiar a mobilidade profissional, liderado pela Comissão do Oceano Índico e financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).

É co-fundador e director executivo da Catalogus e de OitentaNoventa – Projecto de ligação entre gerações literárias e é Vice-Presidente da ACUP – Associação Cultural da Universidade Pedagógica. É licenciado em Educação Visual, pós-graduado em Branding.

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Fernando Chaúque

FERNANDO ABSALÃO CHAÚQUE Licenciado em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Pedagógica de Maputo, é professor de profissão. É também escritor, autor do livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021), Prémio Literário Alcance Editores, edição de 2019, e co-autor das seguintes obras: “Barca Oblonga” (editora Fundza, 2022), “Mazamera Sefreu” (editora Kulera, 2023) e “Atravessar a pele” (Oitenta Noventa, 2023). Fez parte dos livros “Os olhos Deslumbrados” (FFLC, 2021); “Um natal experimental e outros contos” (Gala Gala edições, 2021).

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