Recentemente, sentei-me para reler o meu livro favorito, uma cópia que não havia tocado desde os meus 14 anos. Algo chocou-me. O romance, de tanto uso, tem as páginas sujas, dobradas nos cantos que lembram orelhas de cão. Até virar uma página particularmente desgastada, havia esquecido que fizera algumas anotações no livro. Essa não foi a parte surpreendente (infelizmente, sou uma daquelas pessoas irritantes que gostam de citar coisas se você me deixar bêbado ou triste o suficiente). Não, a parte chocante foi perceber que um conselho que vinha dando como meu na verdade não era meu, mas de John Steinbeck.
Se você é meu amigo e já passou por um término ruim, perdeu alguém que amava ou até teve um dia terrível, e eu já disse “viva como se estivesse em uma peça”, na verdade, não inventei isso. Desculpa. Acontece que é algo que Sam Hamilton diz a Adam Trask quando sua esposa atira nele no ombro e foge para ser prostituta em Salinas. Também peço desculpas por equipará-lo ao conselho de um homem idiota o suficiente para se casar com uma sociopata.
Ler ficção não é apenas afirmar a si mesmo. Não há melhor maneira de verdadeiramente entender o outro.
Essa não é a única orientação que plagiei – e Steinbeck não é minha única vítima. Em O Coração é um Caçador Solitário, Carson McCullers escreve: “O que mais se assemelha ao acto de ser cuidado é cuidar de alguém”. É um lembrete doloroso de que amar é tão importante quanto ser amado – e, de certa forma, é a mesma coisa. Também vale a pena recitar baixinho enquanto segura o cabelo de um amigo enquanto ele vomita em uma lata depois de uma noite longa de bebedeiras.
Mas gosto de pensar que não apenas deturpei as obras de vida dos autores em comentários superficiais. Gosto de pensar que a ficção é um pouco mais do que isso.
Li O Coração é um Caçador Solitário pela primeira vez aos 14 anos. Não surpreendentemente, como todas as outras meninas de 14 anos (…), não gostava de ter 14 anos. Além disso, como todas as outras meninas de 14 anos, achava que era única. Lendo a descrição de McCullers sobre uma garota adolescente na América dos anos 1930, senti-me estranhamente compreendida. Mick, como eu, desejava algo, “mas o que era esse desejo real ela não sabia”. Estávamos quase 100 anos e a um oceano de distância, mas Mick entendia-me. Ela também era uma personagem em um romance, e eu era uma garota real – mas não vamos nos prender nos detalhes.
As narrativas estão em todo lugar – na arte, no teatro, no jornalismo e, por mais que gostemos de pensar o contrário, na não ficção.
Então, por que devemos ler mais ficção? Ler ficção não é apenas afirmar a si mesmo. Não há melhor maneira de verdadeiramente entender o outro. Também é um bom lembrete de que nem tudo que fazemos e consumimos precisa servir à nossa auto-realização – ao contrário de muitos livros de não ficção no mercado. Ler romances de autores com origens diferentes das suas, centrando personagens diversos em idade, raça, género e sexualidade, oferece uma janela para um mundo que você nunca experimentaria de outra forma. A ficção, em sua essência, é uma condensação da experiência humana, oferecendo-lhe a chance de entrar em um mundo fora do seu próprio. De facto, estudos mostraram que quanto mais ávido leitor você for, mais empático é provável que seja.
Não estou dizendo que a não ficção é inútil, ou que não é agradável de ler. Mas só porque ela faz um trabalho melhor com os factos (às vezes), não significa que faça um trabalho melhor com a verdade, como Doris Lessing colocou. Eu até – controversamente – li romances para o meu curso de História.
As narrativas estão em todo lugar – na arte, no teatro, no jornalismo e, por mais que gostemos de pensar o contrário, na não ficção também. Então, por que não pular a pretensão e ir directo para a coisa real? Acho que você poderia aprender muito mais com um romance do que com qualquer coisa que Malcolm Gladwell já escreveu. E sabe de uma coisa? Você poderá até gostar também.
Texto de: Hannah Gillott
Titulo original: Why we should be reading more fiction
Tradução: Fernando Absalão Chaúque
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