Quando o convite para falar sobre os livros lidos em 2024 e que mais me impactaram chegou, senti-me a vibrar, pois são poucas as coisas que me agradam tanto quanto falar sobre livros. Acredito que falar de livros permite-nos construir relações e até intimidade, pois daí fica-se a saber como tais obras abalam o mundo de quem as lê, revelando-nos assim algo sobre a sua personalidade e aspirações. Para mim, os livros que ganham lugar de destaque na minha lista são os que me atingem o âmago da alma, do coração ou da mente. Livros que me compreendem, me despertam, me intrigam, alegram ou perturbam sem, no entanto, tornar a leitura exatamente um compromisso com essas emoções.
- A Metamorfose – Franz Kafka
Este é o meu livro favorito da vida. Li-o pela primeira vez há alguns anos e decidi reler em 2024 para reavaliar o seu status nas minhas preferências, e conseguiu manter o lugar.
A Metamorfose é um livro que traz um doloroso choque de realidade, ainda assim necessário, no que tange à essência das relações humanas e à posição que tomamos na vida das pessoas quando as circunstâncias drasticamente se alteram. De forma figurativa, Kafka mostra-nos, nesta novela, que todas as relações são sustentadas à base de interesses das mais diversas naturezas e, quando já não se pode obter tais benefícios, tudo pode mudar.
Neste livro, Gregor Samsa acorda, numa manhã normal, transformado num insecto. Sendo ele o provedor da família, agora impossibilitado de cumprir o seu papel, tampouco de se comunicar e sem perspectiva de reverter a metamorfose, vê a sua vida e a de toda a sua família tomar um rumo que torna impossível o leitor não se ver como parte dessa trama e reflectir sobre a razoabilidade da atitude dos parentes. Talvez nos vejamos a apelar pela lógica, pelo sentimentalismo, ou ambos para tomar uma posição.
Confesso que me sinto inconformada com o final, embora o compreenda.
- Se me amas não te demores – Raul Minh’alma
Raul Minh’alma é aquele escritor português que eu sempre leio, pois sei que, além de uma história de amor, terei uma boa dose de lições úteis para desenvolvimento pessoal. O que mais se pode pedir de um livro?
Se Me Amas, Não Te Demores não foge à fórmula do escritor. O livro conta a história de Salvador, que, ainda jovem, foi diagnosticado com uma condição genética rara que o faz envelhecer muito mais depressa que os outros, o que lhe ensina a apreciar o tempo que tem e a viver cada instante da sua vida o mais intensamente possível. Ele conhece Linda, uma professora, solteira e mãe de um menino, que está estagnada no tempo, vivendo apenas para o trabalho e a sua família. A relação destes dois personagens é uma viagem de lições lindas sobre como tomamos o tempo como garantido quando o amanhã não nos está assegurado, tampouco o minuto seguinte. A condição retratada no livro é, de alguma forma, manobrada para servir aos interesses da narrativa, pelo que o leitor deverá ter esse facto em mente para aproveitar ao máximo o que o livro tem a oferecer.
- O Silêncio dos Inocentes – Thomas Harris
Há muito que não lia livros do género, sou viciada em histórias de amor, mas O Silêncio dos Inocentes foi um livro que me capturou de tal forma que, para não ter de interromper a história por conta de outras responsabilidades, vi-me obrigada a intercalar a leitura com o audiolivro.
Neste romance, Clarice Starling, uma estudante da academia do FBI, é convocada pelo renomado agente Jack Crawford, chefe do departamento da ciência do comportamento, para assistir numa investigação relacionada a Buffalo Bill, um serial killer que assassina mulheres de um porte físico específico. A sua missão consiste em interrogar Hannibal Lecter, um psiquiatra e assassino, preso na cadeia de maior segurança do estado. Por ter despertado o seu interesse, Hannibal fornece pistas que podem ajudar a identificar e capturar Buffalo Bill, exigindo em troca informações pessoais sobre a própria Clarice. Quanto mais investiga, a estudante vê-se envolvida numa encruzilhada que poderá custar até a sua vida.
O livro consegue parar-nos o coração e ainda o reanimar para, no minuto seguinte, voltar a fazer tudo de novo.
- O gato e o escuro – Mia Couto
Por ser o livro de cabeceira favorito do meu filho, este deve ser o livro que mais li durante o ano, a ponto de ter em mente alguns parágrafos. Lia-o quase todas as noites, por meses seguidos, antes de ele dormir.
O livro infantil conta a história do Pintalgato, um gato que outrora fora colorido, mas que, por desobedecer à mãe e enroscar-se com o escuro, acabou por ficar também escuro. É uma ótima sugestão de leitura para as crianças, com ilustrações maravilhosas e lições fantásticas para os nossos pequenos.
Aproveitamos também as ilustrações para exercícios lúdicos fazendo caça aos gatos, contando quantos são e identificando as cores. Enfim, o livro é um pacote mágico para nós.
- Unidos pelo destino – Larsan Mendes
Ler este livro em formato físico, além de trazer a sensação de um sonho materializado, foi fazer novamente aquela viagem cheia de emoções. Embora o enredo cheio de surpresas não fosse mais uma novidade por já o ter lido várias vezes antes, permitiu-me apreciar tais twists e afirmar que o futuro da literatura moçambicana está assegurado e que temos, sim, vozes femininas que ainda levarão o nome desta nossa pátria amada para além do Índico.
Neste romance, acompanhamos a história de Camila e Mateus que, unidos no meio de uma tragédia que poderá ser também o factor que os vá separar, buscam navegar e superar os traumas que os aprisionam, impedindo-os de viver a vida na sua plenitude. Camila não era muito de abraços, nem de nada que envolvesse toque físico. Isso, para ela, era algo que lhe causava pavor, um pavor que não sabia de onde vinha e, por isso, não se atrevia a envolver-se com ninguém. Sabia que, mais do que meras palavras e juras de amor, em algum momento tudo isso teria de ser materializado e o seu corpo ficava apavorado. Enquanto a história avança, surpreendemo-nos com as revelações que a autora lança continuamente, impedindo-nos de pousar o livro antes da última página.
- O ano do pensamento mágico – Joan Didion
Decidi ler este livro por ser um dos que ajuda a protagonista do filme Amores Verdadeiros, inspirado no livro homónimo de Taylor Jenkins Reid, a superar a perda inesperada do amor da sua vida. Em 2024, perdi também, de forma inesperada, o meu pai. Precisei de buscar forças além de mim, e quando não conseguia conversar com alguém sobre a minha perda, encontrei em trechos deste livro a compreensão que buscava. É talvez egoísta, mas a dor melhorava quando percebia que não era a única a sentir o que sentia.
Após terem visitado a sua única filha, Quintana, internada depois de sofrer de pneumonia seguida por um choque séptico, Joan Didion e o seu marido John Gregory Dunne, escritor e diretor, sentam-se para jantar. A noite é interrompida quando John sofre um ataque cardíaco fulminante, pondo fim à vida partilhada por quarenta anos.
É um livro que retrata a experiência pessoal da autora, ainda assim, universal. Um livro sobre perda e luto que, em algum momento, irá aproximar-se do leitor.
- Quarto de Guerra – Chris Fabry
A oração é uma arma poderosa na batalha espiritual. Esta é a premissa do livro inspirado no roteiro original de Alex Kendrick e Stephen Kendrick do filme homónimo. Neste romance, seguimos a vida de Tony e Elizabeth, um casal que tem tudo para uma vida feliz: uma casa dos sonhos, uma filha linda e bons empregos. No entanto, a vida da família está longe do que aparenta. A convivência do casal está impossível e o divórcio parece o único fim, até que Elizabeth conhece Dona Clara, uma idosa devota a Deus, que começa a ensiná-la como combater aquelas batalhas que parecem além da nossa capacidade, orando e permitindo que Deus tome a frente por nós.
Não é apenas um livro para os casados; é uma história sobre nos aproximarmos de Deus e permitir que Ele tome propriedade e opere na nossa vida, lutando qualquer batalha em nosso nome. Recomendo a leitura com um bloco de anotações ao lado e o coração aberto.
- BRZRKR – Keanu Reeves e Matt Kindt (Volume 1)
Gosto muito do actor Keanu Reeves desde o trabalho em Speed, passando por Matrix até John Wick. Por isso, quando soube que tinha um livro e ainda quadrinhos escritos, decidi que não podia encerrar 2024 sem tais títulos na estante.
Li o primeiro volume dos quadrinhos BRZRKR e reli logo a seguir, emocionando-me de igual forma por encontrar coisas que me tinham escapado e para apreciar melhor a arte sem o efeito da urgência de saber o que se segue quando se viaja numa história pela primeira vez.
Chamam-lhe simplesmente B. Ele é um guerreiro imortal, cuja vida tem sido regida pela violência desde que nasceu. Após milhares de anos a vaguear pelo mundo, B faz um acordo com o governo dos EUA, onde, a troco do seu trabalho e participando nas mais perigosas missões, eles se comprometem a ajudá-lo a descobrir a verdade por detrás da sua longa e sanguinária vida… e como lhe pôr fim.
É uma história cheia de acção, mortes brutais e sangue por todos os lados. Ainda assim, é emocionante, que prende-nos de tal forma que o final do primeiro volume chega inesperado e gritamos, rimos e choramos porque não temos o segundo… (será, provavelmente, a primeira aquisição de 2025). E ahm, B é a cara do Keanu Reeves!!!
- Orera – Helder Tsemba
Contos de fadas sempre ocuparam um lugar especial na minha vida por nos inspirarem a apreciar e celebrar os valores fundamentais do indivíduo, onde o bem sempre triunfa e o mal é derrotado.
Neste livro infanto-juvenil, Helder Tsemba ressuscita a magia e a recompensa de valores que se veem cada vez mais perdidos. Ele faz uma ode à honestidade, à pureza do coração e à valentia como qualidades imprescindíveis para uma vida feliz, numa história que exalta a nossa cultura, fazendo-nos sentir muito próximos dos personagens.
Orera é uma jovem que fazia arte no seu rosto com o m’siro, desenhando uma fila crescente de bolinhas na testa. Negra, bela e sorridente, ela participa de um desafio que o príncipe valente da sua aldeia lançou a todas as donzelas para encontrar a sua futura esposa.
É definitivamente um livro que guardo com muita estima no coração e que farei o meu filho, todos os meus sobrinhos e qualquer criança a caminho da pré-adolescência ler, na esperança de que cultivem em si corações valiosos e uma vida onde a maior trend é mesmo ser uma pessoa íntegra.
- Sangue Negro – Noemia de Sousa
Participei da Antologia Basfêmeas organizada pela Gala-gala em homenagem a esta poetisa Moçambicana sem, no entanto, ter lido muitos poemas seus. Então, em 2024 decidi conhecer mais dos seus escritos e comprei o livro Sangue Negro. E que viagem, malta! Que viagem!
Nos seus poemas ouve-se gritos, ouve-se dor, ouvem-se lutas e ouve-se amor. Tanto amor por esta terra, Moçambique, que fez levantar vozes de toda esta gente que viveu os desafios do colonialismo português. É como se Noémia fosse o microfone que grita aos ares, dizendo basta, também somos gente, e queremos a dignidade e esta terra de volta. Queremos o que é nosso!
Sangue Negro é um livro repleto de poemas que nos levam àquele período tenebroso e alimentam a vontade nunca mais se viver algo igual.
- A vegetariana – Han Kang
A curiosidade bateu-me quando soube que Han Kang, uma autora sul-coreana, havia vencido o Prémio Nobel da Literatura de 2024. Nunca me havia preocupado em ler os livros do Prémio Nobel, mas este ano aprendi a apreciar a capacidade narrativa dos sul-coreanos e comecei a ler o livro. Tive de parar antes da metade, pois um livro destes merece ser lido devidamente – em formato físico.
É uma história um tanto perturbadora, que é contada desde o momento em que a protagonista, depois de ter um pesadelo, decide parar de comer carne. Esta decisão desencadeia uma sequência de acontecimentos que devastam a sua vida e a da sua família. De algum modo, a história parece falar sobre a forma como a sociedade reage quando decidimos mudar e nos posicionar de uma forma que contraria o expectável.
Embora não o tenha terminado, é um dos melhores livros que já li e não vejo a hora de ter o físico e terminar.
Por Kaya M.