João Tordo é uma das vozes mais singulares e prolíficas da literatura contemporânea portuguesa. Nascido em Lisboa em 1975, o autor destaca-se pela sua capacidade de tecer narrativas complexas e multifacetadas, que frequentemente exploram os recantos mais profundos da psique humana, misturando elementos de romance, mistério e reflexão existencial. O seu trabalho tem sido amplamente reconhecido, não só pelo público, mas também pela crítica, valendo-lhe diversos prémios literários, incluindo o prestigiado Prémio Literário José Saramago.
A obra de Tordo é caracterizada por uma escrita intensa e envolvente, onde os temas do amor, da perda, da identidade e da memória são recorrentes.
Cada um dos romances de João Tordo apresenta uma trama única, porém, todos compartilham a profundidade emocional e a habilidade de capturar a essência da condição humana. Através de suas narrativas, Tordo convida os leitores a uma jornada introspectiva, desafiando-os a confrontar suas próprias experiências e sentimentos. Este artigo pretende explorar a riqueza literária de João Tordo, destacando dez de seus romances mais notáveis, cada um representando um fragmento da vasta tapeçaria que compõe a sua obra.
História de amor, saga familiar, mistério policial, retrato de um mundo que ameaça resvalar da corda bamba, Três Vidas é um dos mais importantes romances de João Tordo, tendo-lhe valido o Prémio Literário José Saramago.
António Augusto Milhouse Pascal vive longe do mundo, num velho casarão alentejano, com os três netos pouco dados a regras e um jardineiro taciturno. O isolamento é quebrado pelas visitas de clientes abastados que procuram ajuda do velho patriarca, em tempos um importante espião e contra-espião, testemunha activa das grandes guerras do século XX. O nosso narrador – um lisboeta de origens modestas – entra na história quando Milhouse Pascal o contrata como arquivista dos segredos que envolvem os seus clientes. Não poderia adivinhar o rapaz, ao aceitar o trabalho, que este acabaria por consumir a sua própria vida. A partir do momento em que se apaixona por Camila, neta do patrão com sonhos de ser funambulista, que desaparece após uma viagem a Nova Iorque, o destino do narrador enreda-se irreversivelmente nos mistérios da família, partindo a sua existência em três.
- O bom inverno
Em “O Bom Inverno”, um escritor frustrado e hipocondríaco viaja para Budapeste para um encontro literário, mas acaba sendo convencido por Vincenzo Gentile, um jovem escritor italiano, a ir para a Itália. Lá, eles se hospedam na casa de Don Metzger, um produtor de cinema obcecado por balões de ar quente. Após uma série de eventos estranhos, Metzger é encontrado morto. Andrés Bosco, um catalão ameaçador, isola os doze presentes na casa e tenta descobrir o culpado. Sob a tensão, os personagens começam a se trair e acusar uns aos outros, enfrentando seus piores medos até que ninguém reste para contar a história.
Em “Lisboa, 1973”, um jovem de dezassete anos, filho de um pai conservador e uma mãe liberal, apaixona-se por Felicidade, uma das três irmãs gémeas Kopejka, que são as estrelas do liceu. No contexto de uma Europa em transformação e de Portugal às vésperas da revolução, ele vive a promessa de liberdade e enfrenta um dilema pessoal. Após uma trágica primeira noite de amor com Felicidade, o rapaz se vê preso nas teias das trigémeas, comparáveis às Fúrias da tragédia grega. O romance explora o amor, a morte e as forças humanas que os conectam, combinando ironia, humor, remorso e melancolia.
- Águas passadas
Em janeiro de 2019, durante treze dias de chuva incessante em Lisboa, uma jovem de quinze anos é encontrada morta na praia de Assentiz, com sinais de crueldade sofisticada. Pilar Benamor, uma subcomissária da PSP com segredos dolorosos, é a primeira a chegar ao local. Logo após, um rapaz de dezassete anos é encontrado morto na floresta de Monsanto, também em condições brutais. Essas mortes desencadeiam uma investigação profunda na alta sociedade portuguesa e no submundo do crime. Pilar, com a ajuda de Cícero, um misterioso eremita, enfrenta diversos obstáculos e desobedece ordens superiores, colocando sua vida em risco para desvendar o mistério por trás de um psicopata, enquanto lida com seus próprios demónios pessoais. João Tordo retorna ao género policial com um ritmo intenso e sensível, explorando nossos maiores medos.
Nova Iorque, 1991.
Ao aterrar na América, Natasha, refugiada de um país da ex-União Soviética, está longe de imaginar que o seu exílio se transformará numa aventura labiríntica pela grande cidade e pela alma humana. O caminho desta rapariga cheia de medos e sonhos cruza-se com o de George B., homem marcado por um passado misterioso, que vive em total isolamento em plena cidade, barricado num apartamento apinhado de objectos inúteis.
George oferece a Natasha um emprego bizarro: ler-lhe em voz alta a lista telefónica de Nova Iorque. Enquanto a rapariga aprende a suportar as saudades da sua família e do seu país, esboçando uma nova vida na metrópole vibrante e crua, George, por seu lado, procura obsessivamente um nome entre os milhões de nomes que a cidade esqueceu; um nome que poderá salvá-lo, ou ser a sua danação.
Tomando como inspiração uma história verdadeira publicada no New York Times, João Tordo constrói um romance enigmático, impulsionado pelo acaso e pela memória. O resultado é uma narrativa que disseca a solidão, grande doença dos nossos tempos, confrontando as suas personagens e os leitores com o passado com que todos tentamos reconciliar-nos.
O Nome que a Cidade Esqueceu marca o regresso de um dos escritores mais estimados do público a um lugar que lhe é familiar, numa história plena de imaginação, arrojo, candura e compaixão.
- O luto de de Elias Gro
Numa pequena ilha perdida no Atlântico, um homem procura a solidão e o esquecimento, mas acaba por encontrar muito mais. A ilha alberga criaturas singulares: um padre sonhador, de nome Elias Gro; uma menina de onze anos perita em anatomia; Alma, uma senhora com um coração maior do que a ilha; Norbért, um velho louco que tem por hábito vaguear na noite; e o fantasma de um escritor, cuja casa foi engolida pelo mar. O narrador, lacerado pelo passado, luta com os seus demónios no local que escolheu para se isolar: um farol abandonado, à mercê dos caprichos da Natureza – e dos outros habitantes da ilha. Com o vagar com que mudam as estações, o homem vai, passo a passo, emergindo do seu esconderijo, fazendo o seu luto e descobrindo, numa travessia de alegria e dor, a medida certa do amor.
Este romance conta-nos a história de um homem à deriva, enredado nos seus fantasmas e obrigado a enfrentar a mais terrível das acusações.
Aos sessenta anos, o romancista Jaime Toledo enfrenta vários problemas. Não escreve há uma década, foi diagnosticado com cancro e, de repente, dá por si no epicentro de um escândalo. Escritor de renome em Portugal, a polémica lança-o para o abismo – sem carreira, sem dinheiro e sem casa, com os livros a ganhar pó nos armazéns, depois de banidos pela sua editora, toma uma decisão radical: deixar tudo para trás e mudar-se para um barco decrépito, fundeado nas docas de Lisboa. É no Narcisse – um minúsculo barco mágico -, na companhia de uma velha guitarra e de um cão chamado Sozinho, que Jaime procurará devolver o sentido à sua vida, reconciliando-se com o passado: as relações conturbadas com as mulheres, o abandono da escrita, a culpa que o corrói.
Até que, um dia, a aparição de uma figura do passado mudará tudo, desviando a narrativa para um lugar inesperado. Estará nas mãos de Jaime decidir se este naufrágio é o fim ou um caminho para algo novo.
- A noite em que o verão acabou
14 de Setembro de 1998. O dia em que Chatlam, uma pequena vila americana, acordou em choque com o homicídio de Noah Walsh. O principal suspeito: a sua filha de dezasseis anos.
No Verão de 1987, o adolescente Pedro Taborda apaixona-se por Laura Walshm a filha mais velha de um magnata nova iorquino. Ela e Levi – uma criança misteriosa – passam férias com os pais no Lagoeiro, uma pacata cidade algarvia.
Rica e moderna, a família Walsh tem tudo para dar muito nas vistas no sul de Portugal. Inebriado pelas formas perfeitas e pelos modos ousados de Laura, Pedro encontra na rapariga americana o seu primeiro amor.
Mas quando o Verão acaba, a família Walsh regressa aos Estados Unidos e o destino fica por cumprir.
- A mulher que correu atrás do vento
1892, Baviera. Lisbeth Lorentz, uma professora de piano, apaixona-se por um aluno de 13 anos que sofre de autismo. Ao descobrir que ele é um prodígio, instiga-o a compor um concerto durante as aulas e, um dia, sem explicação, fá-lo desaparecer.
1991, Lisboa. Beatriz, uma estudante universitária —que sonha com o toque das mãos da mãe falecida —envolve-se com o autor d’A História do Silêncio, um romance sobre Lisbeth Lorentz. Ao mesmo tempo, enquanto voluntária num abrigo para mendigos, Beatriz conhece Lia, uma jovem adolescente com um passado incógnito e um presente destruído.
1973, Londres. Graça Boyard, portuguesa, dá à luz a primeira e única filha. Fugida de Lisboa durante as cheias de 1967, para escapar à tirania do pai e à mordaça da ditadura, regressa à capital após a Revolução, tornando-se uma actriz de renome —e abandonando a filha ainda criança.
2015, Lisboa. No consultório de uma terapeuta, Lia Boyard desfia a sua história, dos anos de mendicidade ao momento em que decide procurar a mãe. É aqui que começam a unir-se as pontas de um romance a várias vozes: a história de quatro mulheres – Lisbeth, Graça, Beatriz e Lia – que atravessam um século de História e diferentes geografias, unidas por uma força que transcende a própria vida.
Um livro sobre o poder do amor e o vazio da perda, sobre a amizade que nasce das circunstâncias mais improváveis e o terrível poder da confissão. E, quase no final, uma revelação chocante, a reviravolta que faz deste romance de João Tordo uma narrativa magnética.
Numa estrada adormecida da Galiza, dois homens atropelam um javali. A visão do animal morto na estrada levará um deles — Saldaña Paris, um jovem poeta mexicano de olhos azuis inquietos — a puxar o primeiro fio do novelo da sua vida. Instigado pelas confissões desconjuntadas do poeta, o seu companheiro de viagem — um professor universitário divorciado — irá tentar descobrir o que está por trás da persistente melancolia de Saldaña Paris.
A viagem de descoberta começa com a leitura de um manuscrito da autoria da ex-mulher do mexicano, Teresa, que morreu há pouco tempo e marcou a vida do poeta como um ferro em brasa. O narrador não poderia adivinhar (porque nunca podemos saber as verdadeiras consequências dos nossos actos) que a leitura desse manuscrito teria o mesmo efeito sobre a sua vida.
As páginas escritas por Teresa revelam a sua adolescência no seio de uma família portuguesa contaminada pela desilusão: um pai ausente e alcoólico, um tio aventureiro e misterioso, uma mãe demasiado protectora. Mas o que ressalta com maior vivacidade daquelas páginas é o relato enternecedor do seu primeiro amor, ao mesmo tempo que começam a insinuar-se na sua vida realidades grotescas e brutais. Confrontado pela primeira vez com a suspeita dessa terrível possibilidade, Saldaña Paris mergulha numa depressão profunda. Determinado em libertar o amigo do poder corrosivo do mal, o nosso narrador compõe então, peça a peça, a biografia involuntária dos dois amantes. Uma biografia que passa pelo desvelar do passado, para que este não contamine irremediavelmente o futuro.